segunda-feira, 4 de agosto de 2014

O sentimento de inferioridade e o voto eleitoral

                O processo político-eleitoral é campo aberto aos fatores do afeto que todo eleitor abriga em suas motivações inconscientes. No momento da escolha dos candidatos, os fatores pessoais e coletivos inconscientes atuam muito mais do que seriam aprovados se fossem prévia e racionalmente analisados.
            Os afetos, mais do que a coerência entre a palavra e as ações de governo e a competência administrativa são as variáveis que determinam a escolha eleitoral.
            Um destes afetos é o sentimento de inferioridade.
            O sentimento de inferioridade frequenta a agenda diária brasileira, desde 1500, quer dizer, a inferioridade está inserida no inconsciente sócio-cultural do País. O descobrimento do Brasil se deu em condições desproporcionais entre dominados (povos Tupi) e, os dominadores (europeus), conforme o antropólogo, escritor e político Darcy Ribeiro (O povo brasileiro. São Paulo: Companhia da Letras, 2006).
            O discurso e o emprego do poder condicionam as relações entre as pessoas, e ganham maior destaque no processo político-eleitoral, com destaque para as promessas de candidatos que não demonstram de onde virão os recursos para torná-las efetivas, e a quase inexistente consciência politizada do eleitorado, que não reflete acerca do seu sentimento de inferioridade frente às explorações a que está sujeito.
            Se quisermos que nosso voto seja menos contaminado pelo sentimento de inferioridade sofrida e/ou imposta faz-nos bem refletir nas considerações de Darcy Ribeiro (1922-1997), e de C. G. Jung (1875-1961):
Ribeiro: “Nenhum povo que passasse por isso como sua rotina de vida, através de séculos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal que também somos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da malignidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria” (idem, p. 108).

Jung: “Quanto mais se procura compensar uma inferioridade real por meio de uma falsa superioridade tanto menos se consegue eliminar a inferioridade, mas se lhe acrescenta ainda uma inferioridade moral, cujo efeito é aumentar o sentimento de inferioridade. Isto conduz necessariamente a uma falsa superioridade ainda mais acentuada; e tudo se repete de modo crescente” (O desenvolvimento da personalidade. Petrópolis: Vozes, p. 136).

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