sábado, 17 de setembro de 2011

Religiosidade e outros instintos


            O que nos impede de considerar o sentimento religioso como parte integrante do processo psíquico, necessário para o nosso bem-estar?
            Estamos habituados a considerar que os fatores biológicos como a sexualidade, a fome, a dor, o sono são importantes para a saúde mental. Mas, desde que o homem pensa a respeito de si mesmo, buscamos compreender outros fatores, tidos como psicológicos, talvez por ocuparem uma dimensão mais abstrata da nossa mente, pelo menos assim as consideramos, como a paz, a felicidade, a tristeza, o bem e o mal, e outras condições necessárias para nos sentirmos bem neste mundo. O prazer de estarmos vivos depende muito da experiência que temos com estes fatores.  Mas, ainda assim, o fazemos através de um forte controle racional, lógico e consciente. Estamos tão habituados a trilhar este caminho mental, que não nos damos conta de que o fator religioso está presente e deseja se expressar.
            Podemos chamar este “hábito” de instinto de reflexão. Esta ideia é defendida por C. G. Jung (1875-1961). Para ele, “o instinto de reflexão talvez constitua a nota característica e a riqueza da psique humana” (A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 54). O pensar a respeito de nós mesmos e acerca da realidade que nos rodeia, é tão instintual quanto à fome, a sexualidade, a atividade, a criatividade e a reflexão.
            Nenhum instinto pode dominar a consciência do ego, mas todos auxiliam na ampliação da sua consciência, contribuindo para o processo de autorregulação da alma. Para Jung: “Um instinto está sempre e inevitavelmente acoplado a algo semelhante a uma filosofia de vida. O instinto estimula o pensamento, e se um homem não pensa com seu livre-arbítrio, então ocorre o pensamento compulsivo, pois os dois pólos da psique, o fisiológico e o mental, estão indissoluvelmente ligados” (A prática da psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 77).
Cabe ao ego mediar a experiência com os instintos. Um ego dominado pelo instinto da fome é voraz em tudo que realiza, com o objetivo de se auto-preservar - isto explica a exploração dos recursos naturais e o enriquecimento de poucos em detrimento da grande maioria das pessoas. O domínio do instinto da sexualidade, no sentido biológico, leva o ego a perversões e o fixa num estágio do desenvolvimento muito infantilizado. Caso o instinto da atividade domine o ego, torna-o inquieto e insatisfeito. Um ego dominado pelo instinto da criatividade é prepotente. E, um ego sob o domínio do instinto de reflexão é mal humorado, cético, depressivo, frio em seus julgamentos. Segundo Jung: “Os instintos, em sua força original, podem tornar a adaptação social quase impossível” (A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 12).
Assim, podemos compreender a forte repressão que exercemos contra o sentimento religioso. O hábito nos leva a interpretar a religiosidade como verdadeira ameaça à “riqueza” que a capacidade racional nos legou, ainda que sintamos os efeitos negativos de tal censura. Sob o encantamento desta “riqueza” depreciamos a tudo que tem outra natureza, aparentemente incoerente ao pensamento lógico.
Sem perceber, entretanto, a reflexão é uma capacidade da consciência que nos auxilia no impulso religioso e na busca de sentido da própria vida, trazendo-nos bem-estar espiritual.

Um comentário:

  1. o texto acima, explicitou o que estava pensando hoje de manhã, e ajudou a clarificar àquilo que estava ruminando: a relação entre espírito e instinto, a ética e a satisfação. Nessa realidade dura e concreta se torna difícil, encantar-se pelo mundo e formas da natureza. Mas a vida vai além de qualquer entendimento, e os signos da linguagem apenas nos aproximam de uma pequena fagulha de compreensão.

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