segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Um tigre não pode se livrar de suas listras


Não é porque não confessamos uma fé religiosa que não somos religiosos, conforme afirmamos no último artigo. Não é porque desconfiamos das ideias e crenças religiosas dentro das quais a maioria de nós foi criada, que podemos nos sentir não-religiosos. Não há nada de estranho nisso, antes é um processo pelo qual muita gente já passou. Talvez seja isto que esteja levando muita gente a afirmar que não se identifica com nenhum credo religioso. Afinal, se se percebe que a prática religiosa é um faz-de-conta, não parte de uma real convicção, não é uma expressão da experiência viva, é como uma relíquia a ser conservada apesar de trazer beleza e esperança à existência; então, não pode ter outro destino mesmo, senão o abandono. Mas repito: não significa que não se é religioso. “O sal que perde o seu sabor, é lançado fora e pisado pelos homens” (Mateus 5.13).
            Realmente, a tradição cristã não desfruta do mesmo privilégio e autoridade que tinha há algum tempo atrás, porque não mais responde às necessidades psicológicas contemporâneas. Mais importante do que se tentar provar a existência de Deus, as religiões deveriam demonstrar a realidade da sua presença na experiência de cada um de nós, pois afinal é isto que faz com que as pessoas permaneçam fiéis e participantes nos mais diferentes tipos de culto; do contrário, se afastam. Porém, a religiosidade como instinto continua preservada, ativa e requerendo algum lugar manifesto na vida, assim como o tigre não pode se livrar de suas listras.
            Colocando em termos mais psicológicos: a experiência religiosa é irreprimível, assim como toda a energia psíquica que nos move na existência. Tanto a sexualidade afetiva e genital, como também o desejo de poder sobre a vida, nos levam a realizar ao máximo as nossas capacidades, mas a religiosidade não pode ser desconsiderada para este objetivo. Como considerar desprezível um sentimento que se faz tão presente, e independentemente de sua comprovação objetiva, traz alívio para as tensões da mente?
            Nem o conhecimento científico, nem o teológico, nem de qualquer outra natureza dão conta da demanda religiosa da mente humana, pois esta busca incessantemente satisfazer suas necessidades e demonstrar suas riquezas.
            É bastante comum encontrar pessoas que ficam embaraçadas quando sentem a presença da religiosidade aflorar, especialmente num mundo dominado pela mente tecnicista, que pretende entender a realidade através de técnicas até mesmo psicológicas. Sentem-se envergonhadas e ridículas. Hesitam em compartilhar estes sentimentos. É como se estivessem pensando em algo irreal, sem fundamentação lógica, racional. Como se existisse somente aquilo que se pode comprovar materialmente. Receiam de estarem loucas, e temem a opinião das outras pessoas. Assim, a religiosidade é compreendida como uma superstição da Idade Média, com todos os requintes de ignorância daquela época, sem se perceber, contudo, as psicopatologias que podemos sofrer.
            A repressão da religiosidade não explicaria alguns dos nossos distúrbios sociais e internos como depressão, abuso e dependência de substâncias químicas e agressividade?
É preciso ter coragem para se deter na questão que Freud levantou em seus dias: a religião seria a “neurose obsessiva da humanidade”. A religiosidade, não no sentido de uma instituição ou culto específico, pode ser compreendida como meio para salvar as almas dos seus adeptos, como também um recurso a mais para que as pessoas tenham uma saúde mental no sentido mais amplo do termo.

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