domingo, 20 de novembro de 2011

A fascinação do álcool (4)


            Externamente, somos assediados por uma gama de estímulos para comprarmos produtos, o tempo todo. Música ao vivo no supermercado, desenhos animados em casas bancárias, quiosques eletrônicos de propagandas em linhas de ônibus urbanos, restaurantes e casas de shows, badaladas do sino nas peixarias. Tais estímulos estão por toda parte, e quando ausentes, ainda que saturados, sentimos a sua falta.
Internamente, reagimos a eles, graças às nossas percepções sensoriais: visão, audição, olfato, tato e paladar. Ou seja, somos afetados por eles. A nossa reação dependerá de variáveis como: a percepção sensorial provocada, o juízo de valor empregado em nossas avaliações e a tonalidade afetiva, isto é, o humor percebido no acontecimento que desencadeou a experiência.
Conforme C. G. Jung (1875-1961) um afeto indica a atuação de algum “complexo”. Para ele, complexo é um grupo de ideias ou imagens inconscientes que atua em nossos sentimentos com relativa autonomia. “Se comportam como seres independentes”, conforme o seu livro “Estudos Experimentais”. Portanto, são ideias que podem agir contra a atitude habitual da consciência. Provisoriamente, sentimos como que ficamos tomados ou dominados por eles.
Quando se trata de consumo de bebida alcoólica, por exemplo, há uma intrincada integração de todas as percepções sensoriais que em muitos casos, para não dizer na maioria das vezes, confunde a pessoa no julgamento moral que precisa fazer, e a conduz à satisfação imediata do humor presente, mesmo sabendo que é momentâneo.
Vários elementos como pessoas (companhias), coisas (copos, garrafas, latas em sua variedade quase infinita de cores, formatos e rótulos) e acontecimentos (eventos festivos ou não) associados ou não, provocam uma alteração no raciocínio lógico e conduzem a comportamentos indesejados, como podem ser comprovados durante a famosa “ressaca”. O complexo de tonalidade afetiva escamoteia o intelecto e a vontade própria. Na realidade, são como “ganchos” nos quais penduramos partes de nós mesmos, ou como “anzóis” que nos deixamos ser “fisgados”.   
Infelizmente, inclusive no seio familiar, isto tem sido frequente. Basta a presença de um elemento sensorial, para que o indivíduo faça associações com outros eventos, para que o comportamento seja desencadeado. Por exemplo: o ruído da abertura do lacre da lata de cerveja prepara o tomador a associar ao som do líquido que é derramado, o odor e sabor “refrescante”, o visual do copo “suado” e do “colarinho” que se forma no alto, e o tato “gelado” da sua superfície lisa, mais alguma lembrança agradável ou não da infância ou juventude, e/ou de um mal ou injustiça sofrida, e/ou uma concorrência desleal que sente junto aos companheiros de roda do boteco, ou familiares, e/ou do resultado positivo ou negativo de algum empreendimento.
Na realidade, o complexo de tonalidade afetiva é uma unidade psíquica que se “desprende”, e passa a atuar sem atender à voz da consciência.
O eu precisa ser mais forte que o afeto, apesar de não ser possível controlá-lo totalmente porque as nossas percepções sensoriais, capacidade de julgamento, e o humor que proporciona à vida, continuam presentes. Como afirma Jung: “A personalidade é o complexo mais sólido e mais forte. Ela se firma (desde que haja saúde), apesar de todas as perturbações psicológicas. Por isso, as ideias que se referem à nossa própria pessoa são sempre as mais estáveis e interessantes” (Psicogênese das doenças mentais. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 33).

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