Não se pode negar a existência de um
profundo entrelaçamento da alma humana com a cidade. Psyché e polis são duas
faces da mesma moeda. Não existe matéria sem alma, nem alma sem matéria. A
solução das nossas dificuldades urbanas e a nossa sobrevivência passam pela
psyché da cidade que habitamos.
O inconsciente
com suas patologias e a necessidade de assimilá-las à consciência se manifestam
na vida urbana, conforme o psicólogo junguiano Gustavo Barcellos.
O estado de
nossa alma é manifestado ou ocultado no uso que fazemos de nossas ruas e
praças, seja como motoristas e/ou pedestres; em nossos lares, junto aos
familiares, vizinhos e amigos; na organização e/ou desorganização de nossas instituições
públicas e privadas desde escolas, salões de festas, hospitais, casas bancárias
e comerciais, até aos departamentos policiais; na carência e excesso de “espiritualidade”;
na voracidade do consumo; nos jornais, revistas, canais de rádio e televisão
ganha som e cores; e, atualmente, presente nos discursos dos candidatos a
cargos executivos e legislativos da cidade.
Como afirma
Barcellos: “O espaço público, no mais das vezes, volta-se contra nós, com
feiura, desintegração e morte. [...] Negócios paranoicos, edifícios catatônicos
e anoréxicos, consumo e lazer maníacos, instituições opressoras, burocracia
esquizoide, linguagem convencional, ambientes urbanos hostis, enormidades
delirantes, cifras deprimidas e uma constante repressão da beleza, para não dizer,
da alma” (Voos e raízes: ensaios sobre psicologia arquetípica, imaginação e
arte. São Paulo: Ágora, 2006, pp. 97-98).
Este estado de
coisas revela a ausência ou distanciamento da alma nos processos de construção
da vida urbana, isto é, como se nada nem a nós mesmos, tivéssemos algum
significado ou pudéssemos compreender e alterar a realidade que produzimos.
Enquanto a alma
permanece excluída em nossos processos urbanos, tornamos possível o que menos
queremos: violência nas ruas e praças, quebra das boas relações entre
familiares e vizinhos, perseguições políticas, desrespeito a coisa pública,
perpetuidade de preconceitos sociais, estabelecimento de práticas que criam
cidadãos de segunda categoria, promoção de práticas aéticas e imorais, desemprego
crescente, traição e decepções de amizades que carregavam bons sentimentos.
A alma da cidade
tem melhores planos do que aqueles que estamos executando. A alma da cidade
possui uma inteligibilidade diferente, e mais profunda para as difíceis
questões com que nos deparamos. A alma da cidade nos contém. Nós estamos na
alma da cidade. Precisamos ouvi-la, reconhecê-la, senti-la. Sofremos porque a
desconhecemos, a negligenciamos, não acolhemo-la.
Estas considerações
não são fantasias abstratas, apenas complexas. Sua necessidade e urgência nos
mostra que precisamos aprofundá-las.
Nenhum comentário:
Postar um comentário