domingo, 5 de agosto de 2012

A alma da cidade


          Não se pode negar a existência de um profundo entrelaçamento da alma humana com a cidade. Psyché e polis são duas faces da mesma moeda. Não existe matéria sem alma, nem alma sem matéria. A solução das nossas dificuldades urbanas e a nossa sobrevivência passam pela psyché da cidade que habitamos.
O inconsciente com suas patologias e a necessidade de assimilá-las à consciência se manifestam na vida urbana, conforme o psicólogo junguiano Gustavo Barcellos.
O estado de nossa alma é manifestado ou ocultado no uso que fazemos de nossas ruas e praças, seja como motoristas e/ou pedestres; em nossos lares, junto aos familiares, vizinhos e amigos; na organização e/ou desorganização de nossas instituições públicas e privadas desde escolas, salões de festas, hospitais, casas bancárias e comerciais, até aos departamentos policiais; na carência e excesso de “espiritualidade”; na voracidade do consumo; nos jornais, revistas, canais de rádio e televisão ganha som e cores; e, atualmente, presente nos discursos dos candidatos a cargos executivos e legislativos da cidade.
Como afirma Barcellos: “O espaço público, no mais das vezes, volta-se contra nós, com feiura, desintegração e morte. [...] Negócios paranoicos, edifícios catatônicos e anoréxicos, consumo e lazer maníacos, instituições opressoras, burocracia esquizoide, linguagem convencional, ambientes urbanos hostis, enormidades delirantes, cifras deprimidas e uma constante repressão da beleza, para não dizer, da alma” (Voos e raízes: ensaios sobre psicologia arquetípica, imaginação e arte. São Paulo: Ágora, 2006, pp. 97-98).
Este estado de coisas revela a ausência ou distanciamento da alma nos processos de construção da vida urbana, isto é, como se nada nem a nós mesmos, tivéssemos algum significado ou pudéssemos compreender e alterar a realidade que produzimos.
Enquanto a alma permanece excluída em nossos processos urbanos, tornamos possível o que menos queremos: violência nas ruas e praças, quebra das boas relações entre familiares e vizinhos, perseguições políticas, desrespeito a coisa pública, perpetuidade de preconceitos sociais, estabelecimento de práticas que criam cidadãos de segunda categoria, promoção de práticas aéticas e imorais, desemprego crescente, traição e decepções de amizades que carregavam bons sentimentos.
A alma da cidade tem melhores planos do que aqueles que estamos executando. A alma da cidade possui uma inteligibilidade diferente, e mais profunda para as difíceis questões com que nos deparamos. A alma da cidade nos contém. Nós estamos na alma da cidade. Precisamos ouvi-la, reconhecê-la, senti-la. Sofremos porque a desconhecemos, a negligenciamos, não acolhemo-la.
Estas considerações não são fantasias abstratas, apenas complexas. Sua necessidade e urgência nos mostra que precisamos aprofundá-las.

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