segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Andarilhos, somos todos nós

            O andarilho busca se encontrar numa experiência de vida que, para a maior parte das pessoas, no mínimo, é muito estranha. Não é possível categorizar a sua opção de vida: não é a do peregrino, não é a do viajante, nem do itinerante, porque “parece” não possuir um endereço “normal”, para que retorne “a uma vida normal”.
Como afirma o psicólogo e membro do Instituto de Psicologia Analítica de Campinas (IPAC), Alessandro Caldonazzo Gomes: “Sugerem ser indivíduos aparentemente sem objetivos, simplesmente errantes, sem rumo, sem propósito, marginais”, (O Trecho do Mundo: um olhar sobe a individuação do andarilho. São Paulo: Cadernos Junguianos, nº 6, 2010, p. 93).
Tratados pela maioria das pessoas, inclusive por aquelas que deveriam ajudá-las a minorar os sofrimentos a que estão sujeitos, como: “maloqueiro”, “sem-teto”, “pedinte”, “mendigo”, “desocupado”, “preguiçoso”, “vagabundo”, “bêbado”, “marginal”, “pobre”, “doido”, etc, os andarilhos, na verdade, estão sendo atacados.
Contudo, o ataque revela os aspectos sombrios inconscientes que o restante da sociedade projeta sobre eles. Trata-se de um mecanismo de defesa contra a ansiedade gerada pelas emoções difíceis e/ou das partes inaceitáveis da personalidade, provocando um sentimento (provisório) de libertação e de bem-estar.
“Todo mundo carrega uma sombra, e, quando menos ela está incorporada ao consciente do indivíduo, mais negra e densa ela é. Se uma inferioridade é consciente, sempre se tem uma oportunidade de corrigi-la. [...] Porém, se ela é reprimida e isolada da consciência, jamais é corrigida, e pode irromper subitamente em um momento de inconsciência. De qualquer modo, forma um obstáculo inconsciente, impedindo nossos mais bem intencionados propósitos”, conforme Carl Gustav Jung (Psicologia e religião. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 81).
Desejosa por viver num ambiente seguro, de amparo, com certezas, de ações e decisões planejadas e organizadas, de valores defendidos nos limites da legalidade, das regras, muitos projetam sobre os andarilhos o temor por passar necessidades que, sem aviso prévio, podem ser levados a passar, especialmente por erros cometidos ou da indefinições a que estão sujeitos.
Porém, sempre é bom lembrar-se do que afirma Caldonazzo Gomes (idem, p. 99): “A alma humana é essencialmente errante. [...] A alma anseia pelo seu lugar no mundo, mas não um lugar definido em um corpo, não em um lugar territorial, não um lugar abstrato. A alma não tem forma definida, a alma não tem muros, a alma não tem pátria”.
Assim sendo, todos nós somos vulneráveis, frágeis, com parcos recursos que façam frente à precariedade, à soledade, à desproteção e rupturas sociais que abalam a ordem psicossocial egocentricamente estabelecida.
A alma está nos conduzindo, para conhecermos outras paragens, especialmente num contexto de amplo e intenso processo de desregramento moral e ético global.
Nesta condição precisamos aprender a cuidar de algumas patologias, tais como: solidariedade anoréxica, de delírio de grandeza (complexo de poder), de um desenvolvimento tecnológico maníaco, de ansiedade por lucros e riquezas, ...

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