domingo, 16 de março de 2014

Como não guardar a fantasia no armário: exercício prático

            Do que você se fantasiou neste carnaval? Palhaço, pirata, melindrosa, médico, pierrô, colombina, baiana, padre, índio, fantasma, feiticeiro, ladrão, toureiro, diabo, malandro? Não se fantasiou? Ficou em casa? Participou do retiro espiritual? Não importa. O importante é manter contato com a fantasia que carregamos dentro de nós, buscar pelo seu significado, no sentido de assimilar à consciência os elementos que, na maior parte do tempo, preferimos inibir.
            Talvez as palavras do papa Francisco, há poucos dias, numa conversa informal com outros sacerdotes em Roma, nos ajude a compreender o que quero dizer.
Francisco contou que no enterro de seu confessor, há alguns anos atrás, em Buenos Aires: “Enquanto organizava as flores (no caixão), despertou o ladrão que todos levamos conosco, e tomei-lhe a cruz”, que a carrega até hoje, em uma pequena bolsa debaixo de sua batina, no desejo de ter a “metade da misericórdia” do sacerdote morto (O Estado de São Paulo. 08/03, A27).
            Não importa, “santos” ou “pecadores”, carregamos dentro de nós fantasias que nos “despertam” com o objetivo de serem assimiladas à consciência.
O então cardeal Jorge Mario Bergoglio, pelo menos naquele dia, vestiu a fantasia de um “ladrão” esperto. Entretanto, não a guarda no armário, antes, procura compreender os seus sentidos psicológicos. E, conclui: “Cada vez que algum mau pensamento sobre alguém me assalta, minha mão se dirige para ela (a cruz), sempre”.
O papa Francisco, dessa maneira, assimila à sua consciência um conteúdo, talvez até então inconsciente, levando-o a um desenvolvimento psicológico mais amplo e dinâmico, a ser “misericordioso”.
Como afirma C. G. Jung: “O ego se acha confrontado com um fator psíquico, um produto cuja existência se deve principalmente a um evento inconsciente, e por isto se encontra, de algum modo, em oposição ao ego e as suas tendências” (A natureza da psique. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 20).
            Não é possível refrear a confrontação da psique, daí a necessidade de realizar um exercício, através da imaginação.
Trata-se de uma atividade que nos leve a unir-nos àquilo que nos parece oposto a nós, mas que possui o poder de nos transformar em pessoas, psicologicamente, mais saudáveis. Do contrário: “A fantasia criadora, se não mantida dentro de limites adequados, pode degenerar em anormalidades perniciosas. Mas esses limites não devem ser artificialmente impostos pelo intelecto ou pelo sentimento racional. São limites colocados pela necessidade e pela realidade irrefutável”, segundo o mesmo Jung (Tipos psicológicos. 4ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1987, p. 88).
Receba bem a imagem que se apresenta em sua fantasia, não tente censurar nem despreze o seu conteúdo. Mostre disposição em escutar o que ela tem a dizer. Expresse-lhe todos os sentimentos que tiver: raiva, medo, alegria, tristeza, decepção, ansiedade, ódio, rancor, agressividade. Interaja com ela, perguntando e argumentando. Se entregue ao inesperado. Estabeleça limites éticos e de responsabilidade, lembrando de seus valores de caráter mais profundos, preservando vivos os seus relacionamentos. Procure de algum modo, tornar o processo imaginativo o mais “concreto” possível. 

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