quarta-feira, 30 de abril de 2014

“Alto Cafezal”: um feitiço a ser enfrentado

            Por que um psicólogo escreve a respeito de questões históricas ligadas à formação urbana de Marília? Devido ao meu relacionamento com o mundo; porque não é apenas o mundo que está em jogo, mas eu próprio e todos os meus sentimentos. Não se trata de rememorar fatos antigos, desejando alívio da consciência através de uma simples compreensão dos mesmos, mas, sim, em admitir que o mal se nos avizinha há muito tempo. Com C. G. Jung, aprendo: “Por mais que tentemos concentrar-nos no mais pessoal da pessoa, a nossa terapia não teria sentido sem a pergunta: de que mundo vem o nosso doente? (A prática da psicoterapia. Petrópolis: 1985, p. 91).
Não é possível manter-se indiferente a tudo que nos constitui como comunidade, pois nossos sofrimentos atuais estão gravados nas primeiras páginas de nossa história. Nossos problemas atuais foram gestados há muito tempo atrás. Os problemas e sofrimentos de um indivíduo são os problemas e os sofrimentos do mundo em que ele vive, e que o traz até ao consultório. “Não apenas a minha patologia se projeta sobre o mundo; o mundo está me inundando com o seu sofrimento que não se alivia” (HILLMAN, J. Cidade e alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993, p. 13).
Antonio Pereira da Silva, um dos principais personagens da fundação de Marília, afirmou que, propositadamente, o nome “Alto Cafezal”, foi escolhido: “Levando em conta o feitiço que a palavra poderia exercer no espírito dos lavradores, ávidos de terra onde a rubiácea pudesse ser explorada” (PEREIRA, V. A. Terra e poder: formação histórica de Marília. Comissão Permanente Publicação, UNESP: Marília, 2005, p. 23).
Isto nos sugere: o impulso do dinheiro – advindo dos negócios com o café, um dos mais promissores do início do século XX, no Brasil – e, do poder em estabelecer uma “civilização”, moviam os corações; nosso complexo de poder está fundamentado num estado de euforia, de inflação, ou ainda, de hipomania, que levava a muitos a uma exagerada sensação da própria importância.
“A inflação do conforto e do crer-se dono da própria vida. [...] Nossas penúrias e as que herdamos de nossos pais ou de nossa cultura, as distintas maneiras em que temos fantasiado sobre o dinheiro: desde tê-lo até não tê-lo, passando por uma grande variedade de atitudes relacionadas com a importância que lhe atribuímos (constitui-se) um desafio para a psique” (LÓPEZ-PEDRAZA, R. Sobre Eros e Psiquê. Petrópolis: Vozes, 2010, pp. 66 e 89).
“Alto”, ainda nos fascina.
Algumas questões precisam ser respondidas, em primeiro lugar, por cada um de nós: De que maneira eu convivo com a minha própria inflação? Que atitudes são necessárias para se viver apesar da patologia que nos rodeia? Estamos adaptados a sombra coletiva, por negligenciar a sombra pessoal?
As respostas virão à medida que houver uma renovação mental que somente a sensibilidade pessoal, o olhar mais atento à sombra pessoal e às suas dimensões coletivas, e não de alguém em especial, como: políticos, religiosos, psicólogos, médicos, professores, artistas, delegados, empresários, soldados, advogados, pedreiros, marceneiros, garis, etc.

“Restauramos a alma quando restauramos a cidade em nossos corações individuais, a coragem, a imaginação e o amor que trazemos para a civilização” (HILLMAN, J. Cidade e alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993).

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