terça-feira, 29 de julho de 2014

O lado obscuro do voto

O poder é o lado mais reprimido, desconhecido, inconsciente e perverso do caráter humano. Dominar é um dos mais fortes e indisfarçáveis afetos humanos, o mais obscuro e sombrio.
            Pois é, com o processo político-eleitoral em andamento, o lado mais amplo, real, cru e obscuro do poder volta a rondar-nos.
            O sistema democrático tem de se orgulhar da liberdade e do funcionamento conquistados, às lágrimas, sangue e mortes, mas cabe a cada cidadão ter consciência do lado obscuro de seu próprio voto, do critério que emprega para fazer a sua escolha.
            O voto é uma escolha que se faz num instante, contudo, pelo tempo decorrido até chegar à urna, tem-se a oportunidade de refletir quanto às formas de manipulação emocional dos candidatos, dos partidos, da pressão do coletivo. Entretanto, há uma manipulação sobre a qual poucos de nós levam em conta: a própria.
            A manipulação está em toda parte: na imprensa, ora destacando diferenças entre os candidatos, ora exaltando aos que as apóiam, ora denegrindo aos que se opõem aos seus objetivos empresariais; sem omitir obviamente a avalanche de boatos, mentiras e invenções que se espalham pela internet.
Mas, e quanto a deixar-nos manipular por nossas próprias debilidades, ambições e obscuridades? Não deixemos nos enganar: há motivações inconscientes, fatores emocionais e afetivos que nos levam a decidir por um candidato e não por outro.
As propagandas e os discursos dos candidatos nos apresentam nossas mais profundas motivações, fantasias e afetos. Nossos votos não são racionalmente puros como deseja nossa ilusória filosofia, laureada de tantas tragédias.
Mais do que a situação eleitoral – os candidatos, os partidos e os fatos ou circunstâncias sociais e econômicas – o processo político-eleitoral sofre a intervenção dos fatores emocionais e afetivos abrigados e acalentados em nossas motivações inconscientes pessoais e coletivas.
Um deles está associado à ideia de otimismo. Taxas de crescimento econômico em alta, números e estatísticas positivas nos deixam otimistas. O otimismo nos faz sentir grandes, fortes, vencedores, invencíveis, heróis que controlam o próprio destino, que podem fazer tudo o que quiserem, que não se importam com as consequências.
Quanto disto não é o mesmo de sentir e querer viver como uma criança, imatura, quer dizer, evitar o enfrentamento das dificuldades, por maiores que sejam as confusões que nos metemos?
O processo eleitoral é uma oportunidade de mudanças, mas temos de mergulhar em nós mesmos para chegar ao fundo de nossos problemas coletivos, a partir de perguntas como: até que ponto, a sombra dos eleitores não coincide com a dos candidatos que prometem um País com potenciais de crescimento econômico, mas que não aprofunda em um dos mais sérios problemas, a corrupção?

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