O
atentado contra a revista francesa Charlie Hebdo, no último dia 07 de janeiro,
fez-me decidir a participar e, de alguma maneira, tentar contribuir com a
campanha mundial: Je sui Charlie – Eu sou Charlie.
Nossos
ancestrais, nas cavernas, batendo pedras em pedras, desenhavam suas ideias. “O desenho é o
primeiro passo para visualizar uma ideia”, citado por Caroline Andréia Girardi,
em: Desenho como desígnio: reflexões (Revista Junguiana. São Paulo, 2014). Os ícones
nos acompanham há milhares de anos. E, o cartum é um ícone.
“Quando
abstrai uma imagem através do cartum, não estamos só eliminando os detalhes,
mas nos concentrando em detalhes específicos. Ao reduzir uma imagem a seu
“significado” essencial, um artista pode ampliar esse significado de uma forma
impossível para a arte realista”, citado por Gasy Andraus, em sua tese de
doutorado na Universidade de São Paulo (2006) – As histórias em quadrinhos como
informação imagética integrada ao ensino universitário.
Há quem interprete uma obra
de arte como um ‘disfarce’ do estado neurótico do artista. É como se todas as
artes revelassem algum recalque da vida do artista, algum limite infantil e
autoerótico de sua personalidade que o restringe, quer dizer, como não quer
encarar a realidade psicológica em que se encontra, então o artista pinta,
desenha, encena, compõe, canta, esculpe, escreve, etc.
Eu sou Charlie, por que: “A
essência da obra de arte não é constituída pelas particularidades pessoais que
pesam sobre ela – quanto mais numerosas forem, menos se tratará de arte; pelo
contrário, sua essência consiste em elevar-se muito acima do aspecto pessoal.
Provinda do espírito e do coração, fala ao espírito e ao coração da humanidade.
[...] Por um lado, (o artista) é uma personalidade humana, e por outro, um
processo criador, impessoal. [...] Isto, porque a arte, nele, é inata como um
instinto que dele se apodera, fazendo-o seu instrumento. Em última instância, o
que nele quer não é ele mesmo enquanto homem pessoal, mas a obra de arte.
Enquanto pessoa tem seus humores, caprichos e metas egoístas; mas enquanto
artista ele é, no mais alto sentido, “homem”, e homem coletivo, portador e
plasmador da alma inconsciente e ativa da humanidade. É esse o seu ofício, cuja
exigência às vezes predomina a ponto de pedir-lhe o sacrifício da felicidade
humana e de tudo aquilo que torna valiosa a vida do homem comum” (C. G. Jung. O
espírito na arte e na ciência. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 90-91).
Sobre
o quê Jean Cabut, Georges Wolinski, Stéphane Charbonnier, Bernard Verlhac e
Philippe Honoré falavam ao nosso espírito, ao nosso coração? Qual “detalhe
específico” nos mostravam? Muito mais que motivados pelos seus pontos de vistas,
à semelhança do grande Michelangelo (1475-1564), que retirava do bloco de
mármore suas peças encantadoras como Pietà e Davi, os cartunistas franceses mostravam-nos
qual a forma que a sociedade humana pode tomar, se guiada pela atividade do misterioso,
indizível, enigmático, invisível, vivo e implacável inconsciente.
Com
seus traços simplificados ressaltavam a estrutura fundamental da psique comum a
todos nós e, puxavam-nos para aquilo que o inconsciente quer que olhemos, para
aquilo que este pensa de nós. Sua arte funcionava como uma ponte entre o
inconsciente e a consciência.
Je sui Charlie por que: “Ao
desenhar, independentemente da vontade impingida pela consciência do ego, há um
outro eu que “dialoga” com o indivíduo [...] que objetiva mostrar ao ego outros
patamares do olhar sobre o indivíduo e suas atitudes em relação ao mundo”,
Caroline Andréia Girardi (idem, p. 28).
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