domingo, 11 de janeiro de 2015

Je sui Charlie

            O atentado contra a revista francesa Charlie Hebdo, no último dia 07 de janeiro, fez-me decidir a participar e, de alguma maneira, tentar contribuir com a campanha mundial: Je sui Charlie – Eu sou Charlie.
            Nossos ancestrais, nas cavernas, batendo pedras em pedras, desenhavam suas ideias. “O desenho é o primeiro passo para visualizar uma ideia”, citado por Caroline Andréia Girardi, em: Desenho como desígnio: reflexões (Revista Junguiana. São Paulo, 2014). Os ícones nos acompanham há milhares de anos. E, o cartum é um ícone.
            “Quando abstrai uma imagem através do cartum, não estamos só eliminando os detalhes, mas nos concentrando em detalhes específicos. Ao reduzir uma imagem a seu “significado” essencial, um artista pode ampliar esse significado de uma forma impossível para a arte realista”, citado por Gasy Andraus, em sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo (2006) – As histórias em quadrinhos como informação imagética integrada ao ensino universitário.
Há quem interprete uma obra de arte como um ‘disfarce’ do estado neurótico do artista. É como se todas as artes revelassem algum recalque da vida do artista, algum limite infantil e autoerótico de sua personalidade que o restringe, quer dizer, como não quer encarar a realidade psicológica em que se encontra, então o artista pinta, desenha, encena, compõe, canta, esculpe, escreve, etc.
Eu sou Charlie, por que: “A essência da obra de arte não é constituída pelas particularidades pessoais que pesam sobre ela – quanto mais numerosas forem, menos se tratará de arte; pelo contrário, sua essência consiste em elevar-se muito acima do aspecto pessoal. Provinda do espírito e do coração, fala ao espírito e ao coração da humanidade. [...] Por um lado, (o artista) é uma personalidade humana, e por outro, um processo criador, impessoal. [...] Isto, porque a arte, nele, é inata como um instinto que dele se apodera, fazendo-o seu instrumento. Em última instância, o que nele quer não é ele mesmo enquanto homem pessoal, mas a obra de arte. Enquanto pessoa tem seus humores, caprichos e metas egoístas; mas enquanto artista ele é, no mais alto sentido, “homem”, e homem coletivo, portador e plasmador da alma inconsciente e ativa da humanidade. É esse o seu ofício, cuja exigência às vezes predomina a ponto de pedir-lhe o sacrifício da felicidade humana e de tudo aquilo que torna valiosa a vida do homem comum” (C. G. Jung. O espírito na arte e na ciência. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 90-91).
Sobre o quê Jean Cabut, Georges Wolinski, Stéphane Charbonnier, Bernard Verlhac e Philippe Honoré falavam ao nosso espírito, ao nosso coração? Qual “detalhe específico” nos mostravam? Muito mais que motivados pelos seus pontos de vistas, à semelhança do grande Michelangelo (1475-1564), que retirava do bloco de mármore suas peças encantadoras como Pietà e Davi, os cartunistas franceses mostravam-nos qual a forma que a sociedade humana pode tomar, se guiada pela atividade do misterioso, indizível, enigmático, invisível, vivo e implacável inconsciente.
Com seus traços simplificados ressaltavam a estrutura fundamental da psique comum a todos nós e, puxavam-nos para aquilo que o inconsciente quer que olhemos, para aquilo que este pensa de nós. Sua arte funcionava como uma ponte entre o inconsciente e a consciência.

Je sui Charlie por que: “Ao desenhar, independentemente da vontade impingida pela consciência do ego, há um outro eu que “dialoga” com o indivíduo [...] que objetiva mostrar ao ego outros patamares do olhar sobre o indivíduo e suas atitudes em relação ao mundo”, Caroline Andréia Girardi (idem, p. 28).

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