sábado, 4 de abril de 2015

Eu e a cidade

            “Que dinâmico e bonito objeto é um caminho”, diz Gaston Bachelard (A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 34).
            Ao longo dos caminhos que escolhemos para nos locomover na cidade, encontramos objetos que representam algo de nós mesmos.
            Precisamos aprender a resgatar um olhar mais atento, amoroso, respeitoso ao que enxergamos, respiramos, tocamos, ouvimos, percebemos na cidade. Segundo Gilberto de Mello Kujawski, escritor e jornalista: “Quando passeamos, e não simplesmente passamos, a cidade acontece para nós: transforma-se em drama e em cenário” (A crise do século XX. São Paulo: 1988, p. 49).
            Os espaços urbanos revelam um inconsciente próprio, definem uma “psicologia dos espaços”. “Movimentando-se nesta organização inconsciente de lugares e suas funções, é o indivíduo quem elegerá seus caminhos favoritos, e que irá, idiossincraticamente, encontrar lugares mais evocativos do que outros. Mais obviamente, isto ocorre quando se foi criado numa certa área específica. Então, os objetos experienciados durante a infância conterão partes da experiência do Self, que serão projetadas nos objetos, como se fossem recipientes mnêmicos da experiência vivida. Mas qualquer indivíduo encontrará numa nova área aspectos mais interessantes, e outros menos, pois gravita em direção a determinados objetos que são pontos de seu devaneio pessoal”, afirma o psicanalista britânico Christopher Bollas (A arquitetura e o inconsciente. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental. Vol. III, nº 1, março/2000. São Paulo: Escuta. p. 32, 33).
Neste sentido, a cidade tem uma mentalidade que afeta a todos nós. A fisionomia da cidade vai além dos aspectos físicos. O traçado urbano revela a psique da cidade. Ou como afirma James Hillman: “Não apenas a minha patologia se projeta sobre o mundo; o mundo está me inundando com o seu sofrimento, que não se alivia” (Cidade & Alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993, p. 13). Ou ainda, C. G. Jung: “Por mais que tentemos concentrar-nos no mais pessoal da pessoa, a nossa terapia não teria sentido sem a pergunta: de que mundo vem o nosso doente?” (A prática da psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 91). Para o urbanista e escritor Kevin Lynch (1918-1984): “Cada cidadão faz associações com alguma parte de sua cidade. E, cada imagem está repleta de memórias e significados” (A imagem da cidade. Lisboa: Edições 70, s/d, p. 11).
As questões pontuadas por esses autores sensibilizam-nos quanto ao sofrimento a que estamos sujeitos na cidade. Sofrimento infligido por nós mesmos. Precisamos admitir que, lamentavelmente não são poucas vezes, tomamos a cidade ou a entregamos a mãos estranhas, tecnocratas, politiqueiras, burocráticas, economicistas, violentas, desajeitadas, predadoras, vândalas, saqueadoras, raivosas, sem nenhuma identidade com a parte viva da cidade.
O toque de nossas mãos na cidade retorna no seu toque em nós. Eu e a cidade não estamos dissociados. Neste sentido: “Restauramos a alma quando restauramos a cidade em nossos corações individuais, a coragem, a imaginação e o amor que trazemos para a civilização” (James Hillman. Cidade e alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993).

(Sílvio Lopes Peres – Psicólogo Clínico – CRP 06/109971 – Fones: 998051090 / 981378535 – http://psijung.blogspot.com.br)

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