domingo, 28 de agosto de 2011

Sentimento religioso reprimido


         Para Sigmund Freud (1856-1939), a neurose é um dos sintomas da repressão sexual. Ele entendia que a energia sexual é o impulso afetivo mais importante do ser humano; é o equipamento do indivíduo, por excelência, que o leva a se realizar como pessoa. Toda força que resiste a este movimento natural provoca transtornos significativos na personalidade; sendo assim, a repressão é a principal fonte das neuroses e outras psicopatologias.
Há mais de um século, o mundo ocidental acredita que quanto mais nos esforçamos em resistir aos impulsos sexuais, maior é o estrago psicológico sofrido. Entretanto, na realidade, o que se vê é que mesmo num ambiente desinibido e sem grandes impedimentos aos sentimentos sexuais, as pessoas continuam neuróticas. Por quê? Para responder a esta questão, não podemos procurar por uma única resposta, como pretendeu Freud, que excluiu outras dificuldades ao tratar da psicologia humana.
Não se pode negligenciar que uma das respostas está relacionada ao esforço que muitos procuram fazer em reprimir seus impulsos religiosos. Contudo, esta não pode ser considerada a única resposta, pois entre os adeptos da religião, igual e facilmente se encontram pessoas que sofrem psiquicamente. Portanto, parece que o problema das debilidades mentais está intimamente relacionado à repressão aos impulsos de modo geral, sexuais e religiosos, ou qualquer outro material considerado inoportuno e intruso que possa vir a perturbar a paz de espírito.
            O sentimento religioso pode ser um dos impulsos mais reprimidos no inconsciente. Apesar de toda a nossa racionalidade e intelectualidade, inconscientemente permanecemos religiosos. A religião é um dos elementos que constituem o nosso inconsciente que pode desejar ser vivenciado, e caso seja resistido pode causar danos psicológicos tão graves quanto os de ordem sexual. A questão pode ser resumida da seguinte maneira: não é porque não confessamos uma fé religiosa que não somos religiosos. Se na época de Freud havia uma hiper-repressão vitoriana da sexualidade, atualmente há uma hiper-repressão intelectual à religiosidade. Não são poucos os que tratam a religiosidade pudicamente, como a sexualidade era tratada no final do século XIX e início do XX.
            O problema da repressão da religiosidade se encontra nos documentos psicanalíticos, entre eles as cartas entre Freud e o pastor Oskar Pfister (1873-1956). Para Pfister, “um adversário intelectualmente poderoso é certamente mais útil à religião do que mil seguidores inúteis. Você (referindo-se à Freud) sempre foi tolerante comigo, não deveria eu também sê-lo em relação ao seu ateísmo? [...] A ciência, seca e antisséptica, também não poderá jamais ocupar o lugar da religião; não consegue inspirar valores morais ou obras de arte duradouras”. Em resposta, Freud afirmou: “A psicanálise em si não é religiosa nem antirreligiosa, mas um instrumento apartidário do qual tanto o religioso como o laico poderão servir-se, desde que aconteça tão somente a serviço da libertação dos sofredores” (GAY, P. Um judeu sem Deus. Rio de Janeiro: Imago, 1992).
            As raízes judaico-cristãs da cultura ocidental não podem ser desprezadas, quando o assunto é o espaço do sentimento religioso na vida humana. Aqueles que se pegam intercedendo, agradecendo, ou simplesmente desejando que Deus realize alguma coisa, é impossível recusarem a presença e atuação do instinto religioso.

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