sexta-feira, 8 de junho de 2012

A cidade e o seu mito (2)


            Na semana passada (disponível no blog) refletimos que todo fato histórico-social, coletivo ou individual, está associado à experiência psíquica inconsciente que o originou. Esta se forma involuntariamente, isto é, nossas capacidades racionais não interferem na elaboração de nossos mitos, não inventam nada, mas podem contribuir com o processo de conscientização e de nosso desenvolvimento pessoal e social.
            Quanto a nossa cidade podemos afirmar que a sua pedra fundamental é a fabulosa obra “Marília de Dirceu” de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1809), na qual revela um amor que não se concretizou, e escrita num cenário político marcado por lutas contra a corrupção e a violência dos administradores da cidade de Vila Rica, hoje Ouro Preto (MG), que terminou com o seu exílio na África.
            Este é o pano de fundo ou o mito que movimenta a alma mariliense diariamente, mas que no período pré-eleitoral toma relevância devido à significação da escolha de seus representantes e administradores.
            Os mitos comunicam, através de imagens, mensagens que nos desafiam a serem integradas à consciência, se quisermos verdadeiramente uma alteração de destino, caso contrário, podem tomar uma dimensão destrutiva em nossas vidas.
            O processo de assimilação à consciência de um mito da cidade é o maior empreendimento democrático que um povo pode realizar em seu benefício.
            Como afirma Roger Bastide, pioneiro da sociologia da religião no Brasil: “Ao homem, que já não pode apoiar-se em mais nada, pois nada mais tem sentido, só resta apoiar-se em si mesmo e fazer jorrar de sua revolta novas flores míticas” (O sagrado selvagem e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 103).
            Esta consideração pode nos parecer esdrúxula, mas isto se dá tão somente porque nos importamos mais com as máquinas, especialmente as de alta tecnologia como a informática, para as quais transferimos a linguagem simbólica de nossas almas, sem, contudo, nos tranquilizarmos, antes ficarmos sim, mais e mais desesperados e manipulados pelos poderosos dos negócios e pelos políticos sem escrúpulos.
            Nenhum partido político, nem os candidatos a prefeito ou a vereador que começam a mostrar o rosto nas mídias eletrônicas e de rua pode anular o mito sobre o qual a cidade de Marília está fundada. Antes, são os primeiros a assimilarem a mensagem, a saber: a sedução dos amantes pode terminar em nada, deixando um vazio muito grande em suas vidas, e o zelo por uma administração restrita ao cumprimento dos deveres morais no trato da coisa pública pode provocar repúdio, perseguição, inimizades e morte. A movimentação dos partidos e candidatos em busca de apoios e votos, como também, os sentimentos que dominam o pensamento dos eleitores estão povoados pelas imagens do mito “Marília de Dirceu”. Candidatos que tentam seduzir com promessas se frustram e debocham das expectativas dos eleitores. Eleitores que se deixam seduzir, facilmente descuidam da probidade que deveria cobrar de seus administradores e representantes, perpetuando assim as consequências destrutivas do mito da cidade, a saber, um homem infeliz no amor, e frustrado na política.
É hora de integrar as imagens que o mito da cidade nos oferece, e diminuirmos o mais possível a dissociação das nossas energias psíquicas enquanto grupo humano.

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