segunda-feira, 30 de junho de 2014

Gols e milagres

Como deixar de torcer para que a Seleção Brasileira de Futebol vença a Copa do Mundo e conquiste o Hexa Campeonato? Impossível.
            Quando o assunto é futebol, não conseguimos fugir do lugar comum, mas principalmente daquilo que Adoniran Barbosa (1910-1982), na música “Torresmo à Milanesa”, afirma: “Vamos armoçar sentados na calçada. Conversar sobre isso e aquilo, coisas que nóis não entende nada”.
            Além de acompanhar com atenção aos jogos da Seleção Canarinho, e desejar bom êxito nas partidas até ao final da competição (será que ganhou do Chile?), alguma reflexão pode ser feita deste momento que estamos vivendo.
            Entre futebol e religião existem mais semelhanças do que se imagina.
            Comecemos pelos comentários dos narradores das cenas esportivas (que saudade do Luciano do Vale!). Narram o óbvio, o evidente, o manifesto. E todos, sem exceção, parecem seguir o mesmo script, ficando a originalidade apenas para as “pérolas” que alguns, infelizmente, soltam no ar, provocando uma reação em cadeia, protestos.
            As cenas esportivas são muito mais do que os olhos enxergam. Existem elementos latentes que cada atleta trouxe para o campo, antes mesmo de sair de seus países, que interferem o tempo todo durante o jogo. Daí a importância do período de concentração, para que todos se submetam mais ao “espírito” do esporte do que às normas dos treinadores.
            Quanto à prática religiosa, esta também, na maioria das vezes, não vai além dos limites dos aspectos exteriores característicos, como: leituras e interpretações literais e dogmáticas dos textos sagrados; orações e rituais, mecânica e friamente realizados; mandamentos e tradições, igualmente obedecidos cegamente, e sem contextualização na realidade contemporânea. Vide o caso dos jogadores muçulmanos diante do dilema de alimentar-se durante o Ramadã.
            A alma anseia pelo que existe além da mera letra, deseja ir além do manifesto. A alma anseia pelo latente, pelo que está dissimulado, disfarçado, oculto: a mensagem que está nas entrelinhas.
            O alimento da alma está na amplidão infinita da sua própria experiência transcendente, subjetiva, instintiva, que se esforça em romper com as atitudes unilaterais da racionalização. É importante, porém, que se note: a fé deixa de ter prestígio quando apresenta um horror ao pensamento crítico; entretanto, se este for aliado à intuição mística, encontra respostas ao significado da vida.
            Assim como aos atletas cabe um exercício constante de ser submeter ao “espírito” do esporte, ao religioso cabe o desafio de se manter fiel à sua experiência interior, pois esta é a única atitude que legitima a sua adesão religiosa. Humildade é fundamental para se cumprir esta tarefa, pois o Sagrado se impõe como Algo que estimula a vontade de vivenciar experiências singulares, indizíveis e inauditas, mas sempre numa economia do próprio Sagrado, e não segundo aos apetites vorazes dos fiéis, ou dos seus líderes.
            Assim como os gols não acontecem durante os 90 minutos, ininterruptamente, ou simplesmente não acontecem, assim os milagres. Por que na relação com o Sagrado, quando não existe milagre, restam apenas murmurações contra Ele?

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