domingo, 1 de junho de 2014

Por que fantasiamos?

Se para Sigmund Freud (1856-1939), as fantasias são interpretadas como perturbações, enganos que deturpam a realidade devido à insatisfação gerada pela frustração por algum desejo não realizado, para Carl Gustav Jung (1875-1961), as fantasias são “criadoras” (Civilização em transição. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 158, § 355). Portanto, a capacidade de fantasiar tem um valor positivo, psiquicamente, criativo e terapêutico.
            A discussão quanto ao valor da fantasia vem desde a época dos filósofos gregos, e é no mundo das artes que ganha proeminência e explorado sem barreiras.
            Entretanto, os racionalistas de plantão tendem a torná-la sem atrativos, perigosamente enlouquecedora. E, lamentavelmente, esta visão, redutivista, tem largo espaço inclusive em alguns campos religiosos, especialmente, protestantes tradicionais, possibilitando o ensejo de fundamentalismos e moralismos, ou seja, um posicionamento unilateral que leva as pessoas a não verem nada além daquilo que querem ver, ainda que a religiosidade seja uma das experiências humanas que mais oferece amplitude de visão de vida e de mundo.
            Segundo Jung, a fantasia é um fator psíquico compensador: “O gago se imagina em fantasia como grande orador, o pobre se imagina um milionário, a criança, um adulto. O oprimido trava lutas vitoriosas com seu opressor, o inapto se tortura ou deleita com planos ambiciosos. O homem se compensa através da fantasia” (JUNG, C. G. Símbolos da transformação. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 22, § 33). Quer dizer: fantasiando reintegramos aquilo que nos parece impeditivo para uma vida com maior significado, aproximamos o mundo externo do interno. Se não for assim...
            “Nas fantasias, é toda a dimensão poética da personalidade que se manifesta e não unicamente a função racional”, segundo Carlos Alberto Corrêa Salles, médico psiquiatra, analista junguiano, ex-presidente da Associação Junguiana do Brasil (A fantasia como função psíquica: o substrato da criatividade. Cadernos Junguianos. São Paulo: Associação Junguiana do Brasil. Vol. 1, nº 01, Nov. 2005, p. 118).
            Fantasiar só é contra-indicado em casos de psicoses severas ou quando o ego se considera mais forte do que as próprias fantasias, podendo resultar numa saída da realidade sem retorno.
            “A fantasia é a vida propriamente natural da psique que traz ao mesmo tempo o fator criativo irracional em si mesma. [...] não é uma doença mas uma atividade natural e vital que promove o crescimento do germe do desenvolvimento psíquico” (JUNG, C. G. A vida simbólica. Petrópolis: Vozes, 2007, pp. 101, § 1249).

            Fantasiar ajuda-nos no processo de autoconhecimento, isto é, de chamar de volta para nós mesmos ao que projetamos num objeto, numa pessoa, num lugar. E, isto abre a possibilidade, talvez única, daquilo que é projetado colaborar conosco, trazendo-nos de volta a alegria e o prazer, perdidos no sentido único que damos à nossa vida. Fantasiar nos coloca em um contato maior com os conteúdos do inconsciente. Fantasiar possibilita-nos interpretar a vida, construir algo que nos coloca nos caminhos do coração do mundo da alma.

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