Pai, você me
transmitiu princípios de vida acerca da nossa família, mas também sobre o mundo
humano. Percebi que são leis da vida, ordens e proibições morais, mas para
cumpri-las preciso me equilibrar bastante, por que não é fácil, nada fácil.
Suas palavras me
pareciam divinas. O problema é quando você achava que era como se fosse deus. Eu
sei que é difícil perceber isso, mas você precisa saber que: “O poder do
arquétipo não é controlado por nós; nós é que estamos à disposição dele num
grau que nem suspeitamos. Há muitos (pais) que resistem à sua influência e
compulsão, mas também há muitos que se identificam com o arquétipo. [...] O
perigo está exatamente nesta identidade inconsciente com o arquétipo; não
apenas exerce uma influência dominadora sobre a criança por meio da sugestão,
mas também causa a mesma inconsciência na criança, de modo que ela sucumbe à
influência de fora não podendo concomitantemente fazer oposição de dentro.
Quanto mais o pai se identificar com o arquétipo, tanto mais inconsciente,
irresponsável e até mesmo psicótico ele será” (JUNG, C. G. Freud e a
psicanálise. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 306).
É pai, isto quer
dizer, que você carrega a imagem de herói, mas que com o passar do tempo pode
ter diminuído bastante, na verdade, precisava diminuir para o meu próprio bem.
Eu percebi que isto acontecia, quando você passava dificuldades. Não, não estou
me referindo àquelas de me criar, mas sim, àquelas que eram mais fortes que o
seu prestígio, o seu dinheiro, a sua inteligência. Refiro-me às dificuldades
que você tem como um ser humano, que me deixavam apreensivo e temeroso. Como
daquelas vezes que você “espalhava seu mau humor qual tempestade e, sem muito
refletir, mudava a situação toda num piscar de olhos. (Como) o touro provocado
para a violência ou para a preguiça apática”, conforme o mesmo Jung
(Civilização em transição. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 39).
Sabe pai, eu
percebi que nessas ocasiões, por incrível que pareça, você me ensinou “cada
uma”. O que? Por exemplo: 1. Que você não é o ideal único de vida; que eu posso
e preciso ter ideais próprios; 2. Que se você fracassa em suas dificuldades, eu
posso e preciso ser um melhor pai para comigo mesmo, para com os meus próprios
fracassos, ou seja, não preciso esconder o meu lado sombrio, pois não vou
exigir de você uma perfeição que não existe, por que, também, não sou perfeito.
Quer dizer: as suas dificuldades desencadeiam boas possibilidades para o meu
desenvolvimento pessoal; 3. Que seus maus exemplos despertam a minha
consciência e indignação morais, contra os meus próprios defeitos e dos outros.
Infelizmente,
isso não quer dizer que não sofri lesões, mas me permitiram desenvolver outra
ordem de coisas, que pode não ser igual nem melhor que a sua, apenas,
diferente.
Pai, não posso
deixar que o “ontem chova no futuro”, parafraseando Manuel de Barros. Muito
obrigado por tudo isso. Feliz dia dos pais!
(Sílvio
Lopes Peres – Psicólogo Clínico – CRP 06/109971 – Candidato a Analista pelo Instituto de Psicologia Analítica de Campinas (IPAC),
pertencente à Associação Junguiana do Brasil (AJB), ambos filiados à IAAP –
International Association for Analytical Psychology (Zurique/Suíça) - Fones: 99805.1090 / 98137.8535 - http://psijung.blogspot.com/)
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