domingo, 9 de agosto de 2015

Pai, você me ensina cada uma!

Pai, você me transmitiu princípios de vida acerca da nossa família, mas também sobre o mundo humano. Percebi que são leis da vida, ordens e proibições morais, mas para cumpri-las preciso me equilibrar bastante, por que não é fácil, nada fácil.
Suas palavras me pareciam divinas. O problema é quando você achava que era como se fosse deus. Eu sei que é difícil perceber isso, mas você precisa saber que: “O poder do arquétipo não é controlado por nós; nós é que estamos à disposição dele num grau que nem suspeitamos. Há muitos (pais) que resistem à sua influência e compulsão, mas também há muitos que se identificam com o arquétipo. [...] O perigo está exatamente nesta identidade inconsciente com o arquétipo; não apenas exerce uma influência dominadora sobre a criança por meio da sugestão, mas também causa a mesma inconsciência na criança, de modo que ela sucumbe à influência de fora não podendo concomitantemente fazer oposição de dentro. Quanto mais o pai se identificar com o arquétipo, tanto mais inconsciente, irresponsável e até mesmo psicótico ele será” (JUNG, C. G. Freud e a psicanálise. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 306).
É pai, isto quer dizer, que você carrega a imagem de herói, mas que com o passar do tempo pode ter diminuído bastante, na verdade, precisava diminuir para o meu próprio bem. Eu percebi que isto acontecia, quando você passava dificuldades. Não, não estou me referindo àquelas de me criar, mas sim, àquelas que eram mais fortes que o seu prestígio, o seu dinheiro, a sua inteligência. Refiro-me às dificuldades que você tem como um ser humano, que me deixavam apreensivo e temeroso. Como daquelas vezes que você “espalhava seu mau humor qual tempestade e, sem muito refletir, mudava a situação toda num piscar de olhos. (Como) o touro provocado para a violência ou para a preguiça apática”, conforme o mesmo Jung (Civilização em transição. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 39).
Sabe pai, eu percebi que nessas ocasiões, por incrível que pareça, você me ensinou “cada uma”. O que? Por exemplo: 1. Que você não é o ideal único de vida; que eu posso e preciso ter ideais próprios; 2. Que se você fracassa em suas dificuldades, eu posso e preciso ser um melhor pai para comigo mesmo, para com os meus próprios fracassos, ou seja, não preciso esconder o meu lado sombrio, pois não vou exigir de você uma perfeição que não existe, por que, também, não sou perfeito. Quer dizer: as suas dificuldades desencadeiam boas possibilidades para o meu desenvolvimento pessoal; 3. Que seus maus exemplos despertam a minha consciência e indignação morais, contra os meus próprios defeitos e dos outros.
Infelizmente, isso não quer dizer que não sofri lesões, mas me permitiram desenvolver outra ordem de coisas, que pode não ser igual nem melhor que a sua, apenas, diferente.
Pai, não posso deixar que o “ontem chova no futuro”, parafraseando Manuel de Barros. Muito obrigado por tudo isso. Feliz dia dos pais!

(Sílvio Lopes Peres – Psicólogo Clínico – CRP 06/109971 – Candidato a Analista pelo Instituto de Psicologia Analítica de Campinas (IPAC), pertencente à Associação Junguiana do Brasil (AJB), ambos filiados à IAAP – International Association for Analytical Psychology (Zurique/Suíça) - Fones: 99805.1090 / 98137.8535 - http://psijung.blogspot.com/)

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