terça-feira, 11 de novembro de 2014

"O inferno são os outros"

Com a reeleição da Presidente Dilma Rousseff, no último dia 26 de outubro, a sociedade brasileira expôs um fator de suas entranhas psíquicas.
            Refiro-me a afirmações do tipo: “Chegou a hora de São Paulo se separar do resto deste país”; “Não somos brasileiros, somos paulistas”; “Como o meu Estado vota de uma forma tão diferente das outras partes do País?”
            Compreendo este fenômeno como a manifestação de uma consciência indiferenciada, cujas raízes estão na infantilidade ou ingenuidade de se acreditar que todos são iguais; que existe uma espécie de consciência grupal, coletiva ou global, sem a noção de indivíduos ou sujeitos próprios e independentes, como se a nação fosse uma única, coesa e unida família.
            Este é o pano de fundo da vida social, igualmente presente no seio familiar, nas empresas e outras instituições: opiniões, sentimentos, decisões, atitudes, pensamentos, desejos diferenciados de um grande grupo compreendidos como ameaças sociais, psicológicas, culturais e espirituais põem a perder valores, riquezas, relacionamentos.
            A descoberta que o outro é realmente outro, decepciona. Se alguém pensa, sente e toma decisões diferentes, pensamos logo em afastá-lo, condená-lo e, de preferência, puni-lo. As diferenças psíquicas entre nós nos deixam em situações desagradáveis, insuportáveis. Sejamos honestos: não suportamos que o outro realmente seja outro, sente outra coisa, quer outra coisa. Então, entende-se: “O inferno são os outros”.
            C. G. Jung diria: “Nada desperta mais pânico no primitivo do que o incomum, o que logo faz supor seja isto algo perigoso ou hostil. Também esta reação primitiva subsiste em nós! Facilmente, por exemplo, nos ofendemos se alguém não participa de nossa convicção. Ficamos injuriados quando alguém não acha bonito aquilo que consideramos belo. Ainda se persegue a quem pensa de modo diferente, ainda queremos impor aos outros a nossa opinião” (Civilização em transição. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 131).
Neste contexto, procura-se definir se alguém é um de nós, ou simplesmente, outro. Se se conclui que se trata do outro, então desprezá-lo, relegá-lo a um status social, político, intelectual, cultural, espiritual inferior é considerado “normal”, e “separar-se” é uma das primeiras providências a serem tomadas.
Este fator psíquico herdado das sociedades mais primitivas está vividamente atuando nas concepções de vida de muita gente séria, determinada e considerada civilizada e desenvolvida, que despende grandes esforços em impedir que o outro seja outro. Não estamos imunes a esta tendência de ver o outro, senão como inimigo a ser combatido, como o “estranho”, “tão diferente de nós”, “inferior”, “perigoso”, “portador de desejos, vontades, sentimentos, crenças, pensamentos diferentes”, do qual “simplesmente queremos nos separar”.

Para conhecer melhor uns aos outros temos de nos aproximar mais da nossa humanidade comum, não temer a nossa diversidade, mas celebrá-la como expressão da liberdade e criatividade humanas, sem nos deixarmos ser levados pelo instinto de preservação defensivo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário