Com a reeleição da Presidente Dilma
Rousseff, no último dia 26 de outubro, a sociedade brasileira expôs um fator de
suas entranhas psíquicas.
Refiro-me
a afirmações do tipo: “Chegou a hora de São Paulo se separar do resto deste
país”; “Não somos brasileiros, somos paulistas”; “Como o meu Estado vota de uma
forma tão diferente das outras partes do País?”
Compreendo
este fenômeno como a manifestação de uma consciência indiferenciada, cujas
raízes estão na infantilidade ou ingenuidade de se acreditar que todos são
iguais; que existe uma espécie de consciência grupal, coletiva ou global, sem a
noção de indivíduos ou sujeitos próprios e independentes, como se a nação fosse
uma única, coesa e unida família.
Este
é o pano de fundo da vida social, igualmente presente no seio familiar, nas
empresas e outras instituições: opiniões, sentimentos, decisões, atitudes,
pensamentos, desejos diferenciados de um grande grupo compreendidos como ameaças
sociais, psicológicas, culturais e espirituais põem a perder valores, riquezas,
relacionamentos.
A
descoberta que o outro é realmente outro, decepciona. Se alguém pensa, sente e
toma decisões diferentes, pensamos logo em afastá-lo, condená-lo e, de
preferência, puni-lo. As diferenças psíquicas entre nós nos deixam em situações
desagradáveis, insuportáveis. Sejamos honestos: não suportamos que o outro
realmente seja outro, sente outra coisa, quer outra coisa. Então, entende-se:
“O inferno são os outros”.
C.
G. Jung diria: “Nada desperta mais pânico no primitivo do que o incomum, o que
logo faz supor seja isto algo perigoso ou hostil. Também esta reação primitiva
subsiste em nós! Facilmente, por exemplo, nos ofendemos se alguém não participa
de nossa convicção. Ficamos injuriados quando alguém não acha bonito aquilo que
consideramos belo. Ainda se persegue a quem pensa de modo diferente, ainda
queremos impor aos outros a nossa opinião” (Civilização em transição.
Petrópolis: Vozes, 2007, p. 131).
Neste contexto,
procura-se definir se alguém é um de nós, ou simplesmente, outro. Se se conclui
que se trata do outro, então desprezá-lo, relegá-lo a um status social,
político, intelectual, cultural, espiritual inferior é considerado “normal”, e
“separar-se” é uma das primeiras providências a serem tomadas.
Este fator
psíquico herdado das sociedades mais primitivas está vividamente atuando nas
concepções de vida de muita gente séria, determinada e considerada civilizada e
desenvolvida, que despende grandes esforços em impedir que o outro seja outro.
Não estamos imunes a esta tendência de ver o outro, senão como inimigo a ser
combatido, como o “estranho”, “tão diferente de nós”, “inferior”, “perigoso”,
“portador de desejos, vontades, sentimentos, crenças, pensamentos diferentes”,
do qual “simplesmente queremos nos separar”.
Para conhecer
melhor uns aos outros temos de nos aproximar mais da nossa humanidade comum,
não temer a nossa diversidade, mas celebrá-la como expressão da liberdade e
criatividade humanas, sem nos deixarmos ser levados pelo instinto de
preservação defensivo.
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