Temos vergonha de assumir a
identidade psicossociocultural brasileira – e, por que não, a espiritual -,
devido ao sentimento de inferioridade que nutrimos há séculos.
O
antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), capta e aprofunda este sentimento no
magnífico “O Povo Brasileiro”, onde afirma: “Nós brasileiros somos um povo em
ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, [...] fomos
feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos oriundos da
mestiçagem viveu por séculos sem consciência de si, afundada na ninguendade”
(São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 410).
Nossa
“ninguendade” tem origens históricas, é passada de geração em geração no
processo cultural e vivenciada simbolicamente pela consciência.
Primeiro
foi o nosso processo de colonização que dizimou milhares de povos indígenas e
africanos; o controle dominante, que ainda permanece, de uma elite que se
considera superior por ser detentora do capital financeiro, civilizada por ser
consumista e, cristã; além da ideia de Sérgio Buarque de Holanda, com o seu
“brasileiro cordial”, passando pelo pessimismo de Monteiro Lobato quanto à
miscigenação racial, do saudosismo ingênuo da Ditadura Militar de 64, chegando
aos dias atuais quando se discute a superioridade eleitoral dos sulistas frente
aos nordestinos.
Para citar
apenas um exemplo, do quanto tentamos recalcar nossa inferioridade, ostentamos
no Hino da Proclamação da República o seguinte: “Liberdade! Liberdade! Abre as
asas sobre nós! / Das lutas na tempestade dá que ouçamos tua voz! / Nós nem
cremos que escravos outrora tenha havido em tão nobre País”.
A afirmação de
Darcy Ribeiro só tem sentido psicológico se tocar o nível afetivo mais íntimo e
fundamental da nossa identidade pessoal.
Parece-me não
haver outro meio, senão pelos afetos, envolver o sentimento de vergonha e darmos
a ele um destino da melhor maneira possível, porque todos nós compartilhamos a
mesma história, a mesma cultura, o mesmo meio ambiente, além da mesma natureza
humana traumatizada, que objetiva e historicamente, vê suas atitudes de
superação comprometidas por uma grande indiferença.
Caso
permaneçamos nesta atitude, tornamos história o que nos lembra Joseph de
Maistre (1753-1821): “As falsas opiniões assemelham-se à falsa moeda
inicialmente cunhada por grandes culpáveis e subsequentemente utilizada por
pessoas honestas que, sem conhecimento de causa, perpetuam o crime” (citado por
Michel Maffesoli, em: A alma brasileira: luzes e sombra. Petrópolis: Vozes,
2014, p. 27).
Estamos sim, sob
a influência de ideias e imagens carregadas de energia emocional muito forte, a
ponto de determinarem a nossa situação psíquica ainda que racionalmente não concordarmos
com isto.
Nossa
“ninguendade” acompanha-nos como um “vigia” que acompanha a “pari passu”, isto
é, no mesmo passo, no mesmo ritmo, pedindo-nos uma atenção afetuosa.
“A
cidade (o país) afeta e muito a psique. Melhor dizendo, a cidade (o país) é a
psique. [...] O inconsciente coletivo, como disse Jung, é o mundo, e a psique
não está em você, mas você está nela. [...] Fique em silêncio e veja quanta
coisa (memórias, sonhos e reflexões) estará implorando por nossa simpatia,
compreensão e defesa” (James Hillman. Cem anos de psicoterapia... e o mundo
está cada vez pior. São Paulo: Summus, 1995, pp. 84, 86).
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