A cidade alemã de
Hamelin, em 1284, segundo o conto “O flautista de Hamelin”, dos irmãos Grimm,
estava infestada de ratos devido às precárias condições de limpeza urbana e
doméstica de seus habitantes. Num certo dia, um estranho viajante se oferece
para resolver o problema, mediante um pagamento: uma moeda de cada morador.
Todos, inclusive os administradores da cidade, aceitam a proposta. O viajante,
então, sai pelas ruas tocando sua flauta. Os ratos, como que enfeitiçados pela
melodia, seguem-no, até as margens do rio Weser, onde morrem afogados. A cidade
livre dos ratos e das doenças se nega a pagar pelo trabalho do viajante, que
promete retornar para acertar a pendenga. Ao regressar, passa pelas ruas
tocando sua flauta encantatória, atraindo desta vez a todas as crianças que, seguindo-o
até a uma caverna, lá são trancadas para sempre, enquanto os seus pais
participavam de uma cerimônia religiosa.
O conto suscita algumas
imagens em nossa alma: Uma cidade sem um serviço básico de saúde descente, com
condições mínimas de fazer frente às doenças que os ratos transmitem como
toxoplasmose, leptospirose e parasitas como giárdia que causam diarréia, tanto
em seres humanos quanto em outros animais; casas, ruas, avenidas e praças sujas
por moradores e autoridades desleixados; falta de médicos e remédios; venenos, ratoeiras
e gatos insuficientes; pessoas aguardando alguma atitude das autoridades que,
como ratos, roíam o dinheiro do povo com coisas inúteis para a sua proteção
apesar de pagarem taxas e impostos, cada vez mais altos; mães e pais, que
deixam seus filhos e filhas sozinhos em casa, porque se proliferam como ratos,
e que buscam por uma religião contrária ao controle da natalidade; crianças
que, como ratos de laboratório, se adaptam a viver em gaiolas, isto é, sem
opções de brincar, somente assistir a televisão e jogar vídeos games e,
tragicamente, se acostumam a serem cobaias de experiências dos produtos
oferecidos no mercado, inclusive aos direcionados aos adultos; pessoas e
autoridades que, como ratos, fogem do compromisso para com aqueles que apontam
para a solução do problema, mas que a semelhança dos ratos, podem se vingar terrível
e friamente, sequestrando o nosso futuro.
Estas imagens nos falam
do ataque de emoções que à semelhança dos pernilongos Aedes aegypti, estão nos
deixando loucos de medo, de raiva, de tristeza, de insegurança, de frustração, de
revolta, de incapacidade de vencê-los, de decepção com as autoridades, de
desespero de ficar doente e morrer, etc. Como também de outras emoções, nem
sempre são admitidas como tais, a saber: do egoísmo, da crueldade, da
violência, da vingança, da avareza, da negligência, incompetência e falta de
escrúpulos para com os negócios públicos e pessoais, da alienação
propositalmente ingênua, etc.
Entretanto, podemos nos
identificar com o herói da história - o flautista -, que à semelhança de Orfeu,
que desceu aos infernos para resgatar sua amada Eurídice, com sua música faz
adormecer ao monstruoso cão de três cabeças, Cérbero.
O momento é de nos
empenhar pela continuidade e melhoria das condições de vida, aprender a superar
a todas as adversidades que aparecem em nosso caminho, inclusive o descaso das
autoridades, sem esperar o reconhecimento de ninguém, se quisermos vencer mais
esta luta pela nossa sobrevivência e de outras pessoas. Precisamos “amansar” as
feras, aplacar os instintos perversos que nos invadem como enxames de
pernilongos, em benefício de toda a cidade, isto é, da nossa consciência.
(Sílvio
Lopes Peres – Psicólogo Clínico – CRP 06/109971 – Fones: 998051090 / 981378535
– http://psijung.blogspot.com.br)
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