domingo, 15 de fevereiro de 2015

Carnaval: para que serve?

            As raízes do carnaval são mitológicas: as saturnálias romanas, celebração a Saturno, deus responsável pela renovação dos anos agrários e religiosos, nas quais os pobres/escravos cantavam e se divertiam imitando a elite/senhores; as dionísias, quando uma estátua de Dioniso era seguida por uma procissão desordenada, orgiástica, em celebração ao vinho, em meio a um grande concurso popular de tragédias e comédias dramáticas, apresentadas nas ruas; e as lupercálias, festas em homenagem a Lupercus, o Fauno, o deus Pã, invocado em ataques dos lobos selvagens, cuja cerimônia, licenciosa, era realizada com o objetivo de espantar os maus espíritos que espalhavam doenças nas cidades e deixavam as mulheres inférteis (Jung, C. G. Símbolos da transformação. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 93, nota de rodapé, nº 61).
            Se no mundo antigo o carnaval estabelecia um “hieros gamos”, uma união sagrada entre os homens e os deuses, visando a fecundar a terra para produzir alimentos, atualmente, nos une aos deuses para a fertilização da “lavoura social”.
Isto porque, milênios mais tarde: “As figuras míticas correspondem a vivências interiores” (JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 251), isto é, o carnaval pode ser a maneira de conseguirmos, pela estupidez, aquilo que em outras ocasiões não conseguimos, apesar de todas as habilidades mais refinadas desenvolvidas.
Embora nos pareça “brincadeira de carnaval”, na verdade, somos “brincados” pelas figuras míticas que, como “tricksters”, agem como genuínos componentes de caráter de cada um de nós e de toda a nossa nação, inebriando-nos, mesmo não conscientemente reconhecidos, travestidos na magia das máscaras e fantasias divertidas.
            O carnaval é a oportunidade de experimentarmos as manifestações tricksterianas que carregamos todos os dias do ano dentro de nós; através do humor e da ironia, podemos integrar e unir os paradoxos em que nos metemos. “Trickster é a energia brincalhona que tem a capacidade de produzir humor que pode desencadear transformação. Trickster é Eros usando Logos, produzindo prazer através do aparato cognitivo da psique” (TANNEN, S. R. The female trickster: the mask that reveals. Routledge Ed. 2008, citado por Bragarnich, R. Os primórdios da literatura brasileira: o arquétipo do trisckster nas raízes da alma brasileira – Artigos: ijusp.org.br).
Segundo o antropólogo Roberto DaMatta: “É a fantasia que permite passar de ninguém a alguém; de marginal do mercado de trabalho a figura mitológica de uma história absolutamente essencial para a criação do momento mágico do carnaval. (...) No carnaval e na fantasia há possibilidade de virar onipotente e ser tudo o que se tem vontade. Ora, é precisamente por estar vivendo num mundo assim constituído, onde as regras do mundo diário estão temporariamente de cabeça para baixo, que posso ganhar e realmente sentir uma incrível sensação de liberdade” (O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986, p. 46-47).
“A loucura do carnaval é parte dessa necessidade humana de se libertar dos padrões vividos no cotidiano. No diálogo platônico Fedro, “Sócrates afirma que conhecemos dois tipos de loucura: uma que deriva dos males humanos e, outra, quando o céu nos liberta das convenções estabelecidas”, lembra o psiquiatra junguiano Carlos São Paulo (O carnaval e a importância dos ritos. Revista Psique: Ciência e Vida. Nº 62, São Paulo: Escala, 2011, p. 45).
            Que o carnaval sirva para encontrarmos respostas melhores que nos definam como indivíduos e cidadãos num País tão cheio de contradições.
(Sílvio Lopes Peres – Psicólogo Clínico – CRP 06/109971 – Fones: 998051090 / 981378535 – http://psijung.blogspot.com.br)

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