As raízes do carnaval são mitológicas:
as saturnálias romanas, celebração a Saturno, deus responsável pela renovação
dos anos agrários e religiosos, nas quais os pobres/escravos cantavam e se
divertiam imitando a elite/senhores; as dionísias, quando uma estátua de
Dioniso era seguida por uma procissão desordenada, orgiástica, em celebração ao
vinho, em meio a um grande concurso popular de tragédias e comédias dramáticas,
apresentadas nas ruas; e as lupercálias, festas em homenagem a Lupercus, o Fauno,
o deus Pã, invocado em ataques dos lobos selvagens, cuja cerimônia, licenciosa,
era realizada com o objetivo de espantar os maus espíritos que espalhavam
doenças nas cidades e deixavam as mulheres inférteis (Jung, C. G. Símbolos da
transformação. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 93, nota de rodapé, nº 61).
Se no mundo antigo o carnaval
estabelecia um “hieros gamos”, uma união sagrada entre os homens e os deuses,
visando a fecundar a terra para produzir alimentos, atualmente, nos une aos
deuses para a fertilização da “lavoura social”.
Isto porque, milênios mais tarde: “As figuras míticas correspondem a
vivências interiores” (JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo.
Petrópolis: Vozes, 2000, p. 251), isto é, o carnaval pode ser a maneira de
conseguirmos, pela estupidez, aquilo que em outras ocasiões não conseguimos,
apesar de todas as habilidades mais refinadas desenvolvidas.
Embora
nos pareça “brincadeira de carnaval”, na verdade, somos “brincados” pelas
figuras míticas que, como “tricksters”, agem como genuínos componentes de
caráter de cada um de nós e de toda a nossa nação, inebriando-nos, mesmo não
conscientemente reconhecidos, travestidos na magia das máscaras e fantasias divertidas.
O carnaval é a oportunidade de experimentarmos as
manifestações tricksterianas que carregamos todos os dias do ano dentro de nós;
através do humor e da ironia, podemos integrar e unir os paradoxos em que nos
metemos. “Trickster é a energia brincalhona que tem a capacidade de produzir
humor que pode desencadear transformação. Trickster é Eros usando Logos,
produzindo prazer através do aparato cognitivo da psique” (TANNEN, S. R. The
female trickster: the mask that reveals. Routledge Ed. 2008, citado por
Bragarnich, R. Os primórdios da literatura brasileira: o arquétipo do
trisckster nas raízes da alma brasileira – Artigos: ijusp.org.br).
Segundo
o antropólogo Roberto DaMatta: “É a fantasia que permite passar de ninguém a
alguém; de marginal do mercado de trabalho a figura mitológica de uma história
absolutamente essencial para a criação do momento mágico do carnaval. (...) No
carnaval e na fantasia há possibilidade de virar onipotente e ser tudo o que se
tem vontade. Ora, é precisamente por estar vivendo num mundo assim constituído,
onde as regras do mundo diário estão temporariamente de cabeça para baixo, que
posso ganhar e realmente sentir uma incrível sensação de liberdade” (O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco,
1986, p. 46-47).
“A
loucura do carnaval é parte dessa necessidade humana de se libertar dos padrões
vividos no cotidiano. No diálogo platônico Fedro, “Sócrates afirma que
conhecemos dois tipos de loucura: uma que deriva dos males humanos e, outra,
quando o céu nos liberta das convenções estabelecidas”, lembra o psiquiatra
junguiano Carlos São Paulo (O carnaval e a importância dos ritos. Revista
Psique: Ciência e Vida. Nº 62, São Paulo: Escala, 2011, p. 45).
Que o carnaval sirva para encontrarmos respostas melhores
que nos definam como indivíduos e cidadãos num País tão cheio de contradições.
(Sílvio
Lopes Peres – Psicólogo Clínico – CRP 06/109971 – Fones: 998051090 / 981378535
– http://psijung.blogspot.com.br)
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