No
momento em que o País se volta a considerar a luta antimanicomial, durante a
semana que se inicia, deve-se ressaltar que a alagoana Nise da Silveira
(1905-1999), foi a primeira psiquiatra brasileira a dar um tratamento
diferenciado aos que sofriam a
“invasão do mundo interno sobre o mundo externo”, como ela chamava.
Em
sua opinião: “O paciente, não
entende a linguagem do mundo externo. Eu parto sempre do que o doente diz,
escuta ou faz. Nem sempre considero aquilo que os livros falam. Nem mesmo os de
Jung. No entanto, há uma grande coincidência no que o doente faz, sente e fala
e o que Jung ensina. Por exemplo: Fernando Diniz (paciente que recebeu
tratamentos tradicionais no hospital psiquiátrico, que segundo a Dra. Nise,
“massacraram cada vez mais sua autoimagem e são implacavelmente hostis aos
movimentos de defesa das forças autocurativas que tentam a reconstrução da
psique dissociada), em certa ocasião falou: “Mudei para o mundo das imagens”.
Fernando era o único desses nossos pacientes que tinha uma cultura maior.
Estava fazendo o colegial quando adoeceu. E tinha um racional desenvolvido;
entretanto, ele se espantou com suas imagens devido a problemas emocionais. O
inconsciente invadiu esse mundo racional onde ele vivia. Então ele diz
espantado: “Mudei para o mundo das imagens. As imagens tomam a alma da pessoa”.
Se o próprio doente diz que está tomado pelas imagens, porque você vai
continuar buscar entendê-lo exclusivamente através de uma linguagem racional?
Ele não vai te entender. Se importa ele em responder: que horas são? que dia é
hoje? E outras perguntas semelhantes do mundo externo valorizadas pela
psiquiatria tradicional. No prontuário de Fernando Diniz, muitas vezes
encontrei escrito: desorientado no tempo e espaço. Entretanto Fernando Diniz
lia livros de física atômica. Muitas vezes ia a livrarias acompanhado de um
estagiário e escolhia livros”.
De sua produção
bibliográfica, destacamos: Jung: vida e obra (1968); Imagens do Inconsciente
(1981); O mundo das imagens (1992); Gatos: a emoção de lidar (1998). E, como
pesquisadora, desenvolveu atividades com os pacientes envolvendo cães e gatos
no tratamento: “No Hospital,
introduzi os animais como ajuda para os doentes. Como co-terapeutas. Um
analista americano, de quem eu tenho um livro costumava trabalhar com um cão no
consultório. Como, aliás, Freud trabalhava com um cão no consultório; Jung
trabalhava com um cão no consultório. Marie Louise Von Franz, com quem eu fiz
análise, trabalhava com um cão no consultório”.
Sua
decisão pela luta antimanicomial foi tomada mediante a seguinte experiência: “Um paciente me mostrou que eu estava no
caminho certo, quando certa vez me ofereceu um coração em madeira e no centro
do coração um livro aberto. Quando me ofereceu isso, me disse: “um livro é
muito importante, a ciência é muito importante, mas se se desprender do coração
não vale nada”. Tudo que eu sei de psiquiatria aprendi com eles”.
Na luta antimanicomial, Nise da
Silveira não deixa dúvidas: “Estou
de acordo de que estes velhos manicômios que se parecem prisões sejam implodidos,
é um movimento que, a meu ver, não se ocupa do mundo interno do paciente”.
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