domingo, 19 de junho de 2011

O Projeto de Eros (I)


Como hoje é dia dos namorados, a paixão está à flor da pele: basta apenas mencionar a palavra “amor” para que o corpo desperte os sentimentos românticos.
É no corpo que reside a paixão. O corpo é o sujeito e o objeto de Eros, e suas imprevisíveis, inexplicáveis, indizíveis e inexprimíveis aventuras. Estas como que anulam o Eu, e o possuem com tal violência, que há uma aderência hipnótica à imagem da outra pessoa, por isso se dizer: “estou louco(a) por ela(e)”; “ela(e) me arrebata”; “estou perdido(a) de amor”; “é um sonho”, tal o seu caráter compulsivo e extático, como um mistério encantador que não se deseja desvendar, por temer o fim da fascinação.
            Ora a fisionomia, ora os perfumes, ora a voz, ora os gestos e olhares parecem responder a todas as perguntas, “a resposta” buscada durante tanto tempo. A imagem do outro passa a ser um pensamento dominante, obsessivo, a ponto de orientar a direção da vida psíquica – “não consigo viver sem ela(e)”.
            O desejo revivifica o corpo: emoções sob cinzas se reacendem; o modo de olhar para a vida é renovado; a visão da realidade externa, antes tida como sem atrativos, ganha matizes promissores; rompem-se os laços de segurança com outras pessoas, dando a noção de que se é único; a forma psíquica, que até então “funcionava” se desequilibra, porque  fica diferenciada.
            É o outro que passa a ser a fonte de alegria, prazer, felicidade. Não se percebe seus defeitos porque se torna o depósito do desejo puro e simples de que tudo vai dar certo; por isso é fácil se descuidar das próprias ações, ficando aberto a todos os riscos. Para o psicólogo italiano Aldo Carotenuto (1933-2005), que foi presidente do Centro Studi di Psicologia e Letteratura: “A vulnerabilidade a que o amor nos expõe e a importância central que o outro passa a assumir em nossa vida lançam-nos em estado de necessidade” (Eros e Pathos: Amor e Sofrimento. São Paulo: Paulus, 1994, p. 36).
            Do que se necessita? Necessito de mim mesmo e que o encontro com a(o) amada(o) desperta, assegura e intensifica. Necessito daquele modo de colocar-se diante da vida que ela(e) me apresenta em gestos, palavras, olhares e fisionomia. Este é o quadro que Eros nos mostra quando somos levados a amar: nós mesmos, e as exigentes alterações que os seus projetos nos impõem.
            Como diz Rainer Maria Rilke (1875-1926): “O amor constitui uma oportunidade sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo, tornar-se um mundo, tornar-se um mundo para si mesmo por causa de uma outra pessoa; é uma grande exigência para o indivíduo, uma exigência irrestrita, algo que o destaca e o convoca para longe. Apenas neste sentido, como tarefa de trabalhar em si mesmos, as pessoas jovens deveriam fazer uso do amor que lhes é dado. A absorção e a entrega e todo tipo de comunhão não são para eles (que ainda precisam economizar e acumular por muito tempo); a comunhão é o passo final, talvez uma meta para a qual a vida humana quase não seja o bastante” (Cartas a um jovem poeta. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, pp. 65, 66).
            Ela(e) só desperta a necessidade que tenho de mim mesmo para que me entregue a ela(e), pois não posso continuar sendo o mesmo, mas sim atencioso aos projetos desconhecidos que Eros me confia às mãos; por isso temo tanto não corresponder a ela(e).

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