quarta-feira, 8 de junho de 2011

RAIVA: ELABORAÇÃO EMOCIONAL E NEURONAL


RAIVA: ELABORAÇÃO EMOCIONAL E NEURONAL
PERES, Sílvio Lopes[1]
FERREIRA, Rosimeire[2]
ALMEIDA, Paulo Roberto de[3]

RESUMO
            Este artigo objetiva apresentar a raiva como uma emoção da qual o ser humano precisa para se sentir presente na vida, e em seus aspectos neurológicos, quanto à sua elaboração cerebral. A raiva se reprimida provoca uma série de transtornos psicológicos, mas também problemas sociais. Se não é reconhecida como emoção, pode indicar a presença de um transtorno psíquico bastante grave, ficando apenas como expressão física, devido à ausência da afetividade.

PALAVRAS-CHAVE: Raiva. Emoção. Transtornos psicológicos.

ABSTRAT
This article presents anger as an emotion of which the human need to feel in this life, and its neurological aspects, as to their brain development. The repressed anger causes a number of psychological disorders, but also social problems. If it is not recognized as emotions, can indicate the presence of a mental disorder severe enough, being just as physical expression, due to lack of affection.

KEY WORDS: Anger. Emotion. Psychological disorders.

INTRODUÇÃO
Desde 1899, segundo Goleman (1997), a raiva vem sendo estudada cientificamente como uma das emoções humanas básicas, assim como o medo, a felicidade e a tristeza. Deve-se notar que a cólera, enquanto paixão ou sentimento tem sido preocupação há milhares de anos. O filósofo Aristóteles (384-322 A.C) defendia a legitimidade da raiva, e afirmou: “Louva-se o homem que se encoleriza justificadamente com coisas ou pessoas e, além disso, como deve, na devida ocasião e durante o tempo devido” (ARISTÓTELES, 1987, p. 71). Conforme Newen e Zinck (2009) a raiva, enquanto emoção básica, está relacionada com a irritação e a frustração, podendo se apresentar em fúria e desprezo. A raiva é uma emoção compartilhada por todas as culturas humanas, se apresentando em vários contextos como explosões de ira, irritação e ódio.
Conforme Hülshoff (2004) e Capellato (2008), várias áreas cerebrais participam do processo da raiva, desde a sua origem como sentimento emocional até a sua exteriorização.
            O presente artigo é produto de uma pesquisa bibliográfica. O levantamento de dados foi realizado com base no acervo pessoal dos autores, e por busca eletrônica de artigos indexados nas bases de dados do Scholar Google, Scielo e revistas científicas, a partir das palavras-chaves: raiva, ira, fúria, emoções, ódio.
Tendo realizado o fichamento das obras pesquisadas, o presente artigo se propõe apresentar o sentimento da raiva, em seus aspectos emocionais e neurológicos. Trata-se de uma coleta de dados que interessa a profissionais da saúde mental.

A RAIVA COMO EMOÇÃO
            A raiva enquanto emoção acompanha outros sentimentos como: ressentimento, sensação de mágoa, ira, cólera, frustração, fúria, indignação, animosidade, vingança, irritabilidade, aborrecimento, podendo ao extremo conduzir ao ódio e à violência. Segundo Goleman (1997) a raiva surge a partir da sensação de que a auto-estima e o sentimento de dignidade própria estão em perigo, devido a algum tratamento injusto ou grosseiro, insulto ou humilhação sofrida, ou ainda quando um objetivo considerado importante é frustrado. É uma das emoções mais difíceis de ser controlada. Nestes casos, é comum a pessoa se referir como se não tivesse nela mesma, como afirma Jung (2000), por sentir-se ameaçada em sua auto-estima e dignidade como pessoa. A raiva é uma emoção, no sentido etimológico da palavra latina “movere” que significa energia para lidar com a vida, seja no enfrentamento ou na fuga quando se sente ameaçado por alguma situação. Segundo Damásio (2004) a emoção pode ser descrita como sentimento porque há um grande envolvimento neuronal, que nos dá consciência da emoção sentida.
            Como toda emoção a raiva pode ser reprimida, segundo Padovani (1994). Para ele, quando isto acontece, a raiva provoca estados de ansiedade, sentimento de culpa, ressentimento, amargura, hostilidade, frieza emocional, desentendimento e ofensa entre as pessoas, insegurança pessoal, intimidação, vergonha, medo. Ainda, para o mesmo autor: “a depressão comum, na maioria dos casos, nada mais é do que a raiva voltada para o interior” (PADOVANI, 1994, p. 41).
            A raiva é legítima quando os sentimentos negativos precisam ser expressos, como por exemplo em casos de estupros, assassinatos e genocídio, segundo Zweig e Abrams (2010). Para Edmonds (2011), neste sentido, a raiva boa dá às pessoas otimismo e as traz à realidade, ajudando-as a se concentrar em coisas que realmente importam, e a tomarem decisões apropriadas quanto às suas necessidades.
            Berthoz (2004) assinala, no entanto, para a existência de pessoas que por se sentirem “vazios de ternura”, somente são capazes de expressar cólera irrefreável e explosivamente. Trata-se de indivíduos que sofrem de alexitimia, isto é, incapacidade de identificar as próprias emoções. “Na prática, o alexitímico é incapaz de elaborar as experiências emotivas em pensamentos, e as traduz em manifestações físicas”, afirma Berthoz (2004, p. 55), geralmente de forma violenta.

A RAIVA E O CÉREBRO
            Sem a participação do cérebro não existem emoções. Conforme Newen e Zinck (2009) uma das funções do Sistema Nervoso Central é regular as nossas emoções: o córtex cerebral é responsável pela identificação, avaliação e tomada de decisões baseando-se nos sentimentos; a formação reticular, localizada na base do cérebro, funciona como uma rede de células neurais que alerta o córtex para as informações sensoriais; o sistema límbico regula as emoções e as motivações, passando as informações para outras áreas cerebrais, como o hipotálamo que é responsável pela ativação do sistema nervoso simpático, quando o indivíduo se encontra em situações de medo, raiva, fome, sede e atração sexual, por exemplo. Para estes autores: “se há uma falha no sistema de avaliação emocional no córtex pré-frontal do lobo frontal, as pessoas afetadas tomam decisões insensatas”, porque os pensamentos, expectativas e percepções desempenham papéis importantes para manter e dissolver afetos. O que faz o sistema límbico, responsável pelas reações fisiológicas, manter-se conectado com o córtex cerebral, que permite elaborar as representações mentais, segundo Berthoz (2004), é o giro do cíngulo, que contorna o corpo caloso do cérebro. É na infância, ainda conforme Berthoz (2004, p. 56), na relação mãe-bebê que se desenvolve a conexão entre estas partes cerebrais, “por meio de palavras, a mãe guia a criança no caminho da mentalização”.
            Segundo Capelatto (2008) o sentimento não é apenas abstrato, mas parte integrante do sistema orgânico do cérebro, devido à atuação dos hormônios como testosterona e estrógenos no hipotálamo. A desorganização dos pensamentos provocada pelas emoções gera uma confusão mental, conforme Capelatto (1997) e isto desequilibra os níveis do hormônio chamado testosterona nos homens, e do estrógeno nas mulheres, devido a variação sofrida no hipocampo. A raiva faz com que: “o sangue flua para as mãos; os batimentos cardíacos aceleram-se e uma onda de hormônios como a adrenalina gera uma pulsação, energia suficientemente forte para uma ação vigorosa” conforme Goleman (1997, p. 20), devido à liberação dos hormônios chamados catecolaminas, fazendo com que a raiva dure por um curto espaço de tempo, mas quando há “estímulo adrenal e cortical generalizado pode durar horas e até mesmo dias, [...] reduzindo o limiar do que provoca a raiva” (1997, p. 73). King (2000, p. 2) explica que isto se dá por que:
as catecolaminas exibem efeitos excitatórios e inibitórios do sistema nervoso periférico assim como ações no SNC, tais como a estimulação respiração e aumento da atividade psicomotora. Os efeitos excitatórios são exercidos nas células dos músculos lisos dos vasos que fornecem sangue à pele e às membranas mucosas. A função cardíaca também está sujeita aos efeitos excitatórios, que levam a um aumento dos batimentos cardíacos e da força de contração.

            Não é possível afirmar a existência de hormônios responsáveis pela irritação, assim como não há um “centro da raiva”, segundo Hülshoff (2004, p. 71). Para Newen e Zinck (2009) a característica central das emoções, incluindo a raiva, está vinculada aos processos fisiológicos, estudados desde Willian James (1842-1910) e Carl Lange (1834-1900), podendo ocorrer sem a participação da consciência, e conforme Jung (1983) pode estar presente em outras doenças como epilepsia, por exemplo, antecipando o seu surgimento.
            Na concepção de Hülshoff (2004, p. 70) o tronco cerebral e porções do diencéfalo formam “a base instintiva sobre a qual se assentam nossos sentimentos”, e que vão determinar o nível de irritação que pode ser suportado. A irritação, para Hülshoff (2004, p. 71): “surge da interação de várias estruturas cerebrais bem diferentes e que governam o nível geral de excitação no sistema nervoso e os processos somáticos automáticos, e identificam e processo os sentimentos”. Para Jung (1997, p. 28): “Tanto as emoções quanto os afetos são acompanhados sempre por inervações psicológicas perceptíveis”.
            O portador de alexitimia não sabe quando está com raiva ou triste, segundo Berthoz (2004), por uma disfunção cerebral, não tem consciência das emoções, e nem as exprime, sofre de uma “falta de mentalização das emoções” (p. 56), por isso canaliza sua raiva somente por meio de expressão corporal, por desconhecer outra forma de identificá-la e comunicá-la. Para Berthoz (2004, p. 57): “Nos alexitímicos as emoções são geradas numa parte não consciente do cérebro (o sistema límbico), mas não chegam ao córtex”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
            Vimos que não é possível viver sem a emoção da raiva; ora experimentamos sua negatividade quando negamos a exprimi-la, ora percebemos a necessidade de expressá-la.
            O sistema nervoso participa ativamente na elaboração da raiva, pois são envolvidas várias partes do cérebro como o hipotálamo, o córtex, o hipocampo, e o sistema límbico, sendo o giro do cíngulo o maior responsável por ela, e sempre por via hormonal, especialmente, a catecolamina.
            A raiva enquanto emoção pode ser descrita como sentimento porque há um grande envolvimento neuronal, que nos dá consciência da emoção sentida.
            Os pais têm um papel muito importante a desempenhar junto às crianças, para que estas aprendam a mentalizar a raiva como uma emoção, para que possa reconhecer em si mesma e nos outros a sua presença, para viver em sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
BERTHOZ, S. Os segredos das emoções. São Paulo: Duetto. Revista Mente e Cérebro: Nº 143, 2004.
CAPELLATO, I. Infância - Café Filosófico (parte 1). Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=cWm7VxDSsdw&feature=related. Acesso em 17 mar. 2011.
DAMÁSIO, A. Entrevista. São Paulo: Duetto. Revista Mente e Cérebro: Nº 143, 2004.
EDMONDS, M. Ficar bravo pode ser bom para você? Disponível em: http://saude.hsw.uol.com.br/raiva-boa2.htm. Acesso em: 16 de Abr. de 2011.
GOLEMAN, D. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
HÜLSHOFF, T. Louco de raiva. São Paulo: Duetto. Revista Mente e Cérebro: Nº 140, 2004.
JUNG. C. G. A natureza da psique. Petrópolis: Vozes, 2000.
__________ A vida simbólica. Petrópolis: Vozes, 1997.
__________ O desenvolvimento da personalidade. Petrópolis: Vozes, 1983.
KING, M. W. Neurotransmissores: diversidade e funções. Disponível em: http://www.cerebromente.org.br/n12/fundamentos/neurotransmissores/nerves_p.html - 2000. Acesso em 17 de Abr. de 2011.
NEWEN, A. e ZINCK, A. O jogo das emoções. São Paulo: Duetto. Revista Mente e Cérebro: Nº 195, 2009.
PADOVANI, M. H. Curando as emoções feridas: vencendo os males da vida. 2ª Ed. São Paulo: Paulus, 1994.
ZWEIG, C. e ABRAMS, J. (Org.) Ao encontro da sombra: o potencial oculto do lado escuro da natureza humana. 10ª Ed. São Paulo: Cultrix, 2010.


[1] Teólogo, Pedagogo, Mestre em Ciências da Religião, Especialista em Docência do Ensino Superior e Acadêmico do Curso de Psicologia – FASU/ACEG – e-mail: silviosilvia@ig.com.br
[2] Técnica em Contabilidade, Graduanda no Curso de Psicologia – FASU/ACEG – e-mail: rosimeire_ferreira@yahoo.com.br
[3] Acadêmico do Curso de Psicologia – FASU/ACEG – e-mail: psicanalise_freud@hotmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário