quarta-feira, 8 de junho de 2011

O combate do “vírus da irrelevância”


            “Que quer dizer cativar?”
“É uma coisa muito esquecida. Significa criar laços. (...) O essencial é invisível para os olhos”.
“Criar laços?”
Este é o diálogo do principezinho e a raposa, em O Pequeno Príncipe (Agir: Rio de Janeiro, 1954, p. 68) de Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), escritor, ilustrador e piloto de avião, que nos anos 1930 passou alguns dias em Petrópolis, Rio de Janeiro.
Mais do que nunca nos fazemos a mesma pergunta – o que é criar laços? Não sabemos o que isto significa. Será que em algum tempo soubemos? Ou, como afirma a raposa: “É uma coisa muito esquecida”? O que fazer para nos lembrar?
Coletivamente, estamos na situação retratada por Arnaldo Jabor: “Passamos da ilusão para o desencanto. Temos hoje uma ‘horrenda liberdade’ sem fins. Será que houve a morte da ‘importância’? O ‘importante’ seria agora o quantitativo? Não sei; mas, se tudo é ‘importante’, nada o é. Fomos atacados por um ‘vírus de irrelevância”, sobre a consideração do professor Alcyr Pécora (O Estado de São Paulo, 31/05, D14).
Quer dizer: sem criar laços, a vida não tem encantos; só valorizamos o que é intenso, mesmo sem importância alguma. Celebramos a nossa tediosa irrelevância. Não são as coisas que são irrelevantes, somos nós!
A fábula de Exupéry comprova esta situação: “Por favor... cativa-me!”, suplicou a raposa ao principezinho. “Bem quisera, disse o príncipe, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer”.
“A raposa acredita no que não é óbvio, mas que é percebido pelo sentimento – o oposto dos dados estatísticos”, afirma Marie-Louise Von Franz (Puer Aeternus: A luta do adulto contra o paraíso da infância. Paulinas: São Paulo, 1992, p. 112).
O Pequeno Príncipe somos nós. Inconscientemente não queremos nos ligar sentimentalmente a coisa alguma, a lugar algum, nem a alguém. Sem sentimentos, a vida se torna provisória e descartável; e preferimos que assim permaneça, apesar de sentirmos que é necessário mudar. Fazemos assim porque tememos sermos pegos numa situação da qual não podemos escapar. Sentimos a falta de raízes, mas não queremos criá-las. Na realidade, entretanto, nos submetemos à nossa incapacidade de nos renovarmos, mesmo que isto seja o que mais queremos. Atribuímos valor ao que é incerto, passível de questionamento, sem roteiro, porque sabemos que se dermos respostas, encontrarmos saídas, precisamos nos transformar. Flertamos com a ideia do eterno vir a ser, das possibilidades, por temermos simplesmente nos opormos a este estado de coisas, e nos decepcionarmos com a realidade, apesar desta ser maior do que nosso autossuficiente idealismo. Compreendemos a realidade, mas a transformamos em fantasia. “Criar laços” é interpretado como “limite”, e não toleramos qualquer tipo de restrição, afinal eu e você somos “sem fronteiras”, como apregoa uma campanha publicitária de telefonia celular. E fazemos de nós mesmos o que deveria ser apenas a tecnologia.
Se nos deixarmos conduzir pelo sentimento, nos lembraremos do que é criar laços e pediremos, sem nos preocuparmos com as quantidades que porventura venhamos a possuir: “Por favor, cativa-me...”
(Sílvio Lopes Peres – Mestre em Ciências da Religião, acadêmico em Psicologia - http://psijung.blogspot.com/)

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