domingo, 31 de julho de 2011

Teologia e cidade


            Quando se quer ouvir a voz da teologia sobre a realidade social e política, não se pode deixar à margem os instintos internos que constituem a natureza humana, pois é de onde nasce todo o contexto que vivemos. As opiniões racionalizadas, até mesmo da teologia, que nos parecem insuspeitas, não só enfraquecem o debate, como também não contribuem em nada. Tanto o mundo espiritual como a racionalidade precisam caminhar juntos, apesar de nos parecerem inimigos irreconciliáveis. É na realidade social, política e cultural da cidade que vivemos intensamente a vida espiritual, e não nos cultos realizados nos templos.
            Se considerarmos algumas teologias como uma confissão da alma e não dogmas institucionalizados, perceberemos que somos convocados a uma atitude de obediência à vontade de Deus, e sempre sem restrição alguma da nossa parte. O problema é que na maioria das vezes não estamos dispostos a tal comprometimento.
            É a este fator transcendental que os teólogos nos chamam a atenção, a uma realidade que transcende a consciência, tão acostumada à fria racionalidade; por isso se apresenta numa linguagem emocional, porque segue critérios próprios, inefáveis. A teologia nos lembra que as Escrituras Sagradas se dirigem ao nosso espírito, ou seja, à subjetividade humana, sem pretensões filosóficas, para que a religião não fique no terreno estéril e longe do mundo real. A teologia nos lembra que Deus está mais próximo quando O experimentamos dentro de nós, à medida que irrestritamente cumprimos a Sua vontade.
            Não estamos dispensados de viver eticamente, ainda mais quando sentimos que Deus está presente no mundo. É preciso ir além da satisfação que Sua presença nos causa. Adeptos ou não dos vários credos têm de revelar o compromisso ético consigo mesmos, quanto ao conteúdo dos instintos humanos que pesam sobre cada um e que tornam, possível ou não, a vida em sociedade.
            A contribuição que a teologia tem a oferecer à cidade é nos ajudar a responder: a qual responsabilidade ética meus conhecimentos me chamam, para não sucumbir ao princípio de poder vigente na sociedade? O que cumpre a mim fazer frente ao conhecimento que estou apreendendo através dos instintos? O que cada imagem ou conteúdo destes instintos diz a meu respeito, e o que me cabe realizar?
            C. G. Jung (1875-1961) nos ajuda a compreender esta missão, quando afirma: “A consciência, e muito especialmente a má consciência, pode ser um dom de autocrítica mais elevada. Como atividade introspectiva discriminatória, a autocrítica é imprescindível para qualquer tentativa de compreender a própria psicologia. Quando se incorre nalguma falha inexplicável e se pergunta qual terá sido a sua causa, é preciso o aguilhão da má consciência e a faculdade discriminatória que a acompanha para descobrir as razões do próprio comportamento. Só assim pode o homem transpor o limiar do inconsciente: ele pode assim perceber as forças impessoais que se ocultam em seu interior, convertendo-o em instrumento de assassínio em massa” (Psicologia e Religião. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 54).
            A teologia não promulga regras, normas ou leis, com a pretensão de nos aliviar da perplexidade que nos toma a cada dia, antes nos ajuda a perceber que muitos dos problemas que enfrentamos em nossa vida comunitária procedem da nossa “má consciência”.

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