sábado, 1 de outubro de 2011

Depressão e Religião


            Carl Gustav Jung narra em seu Memórias, Sonhos e Reflexões, um caso infelizmente muito comum nos dias de hoje: uma jovem judia, filha de um rico banqueiro, bonita, elegante e muito inteligente, o procurou queixando-se de que há anos sofria de “angústia”. Segundo Jung, tratava-se de uma “judia ocidental, adaptada, esclarecida até a medula, que perdera a fé”. Perguntada a respeito de sua família, disse que seu avô fora rabino, “uma espécie de santo e que tinha uma segunda visão”.
A religiosidade e sua herança espiritual, segundo a jovem: “tudo isso é tolice, tais coisas não existem mais”. Entretanto, Jung respondeu: “Seu avô era um Zaddik (mestre espiritual). Seu pai foi infiel à religião judaica. Traiu o mistério e esqueceu Deus – e sua neurose está ligada ao medo de Deus!”
            É interessante este relato, se levarmos em conta alguns fatores: jovem, bonita, elegante, inteligente, contudo deprimida. Não é fácil aceitar que alguém “adaptado” ao mundo possa ser deprimido, isto é, alguém cujas intenções estejam voltadas ao meio em que vive: veste roupas da moda, frequenta lugares badalados, tem vida sexual ativa, às vezes, precocemente, e é frequentemente triste, não se satisfaz com nada, e acha que a vida não tem sentido. Segundo Jung, “os homens ficam neuróticos quando se contentam com respostas insuficientes ou falsas às questões da vida. Procuram situação, casamento, reputação, sucesso exterior e dinheiro; mas permanecem neuróticos e infelizes, mesmo quando atingem o que buscavam. Essas pessoas sofrem, frequentemente, de uma grande limitação do espírito. Sua vida não tem conteúdo suficiente, não tem sentido.”
            Jung não está defendendo a prática religiosa institucional, mas constata que a depressão é consequência da traição ao “mistério”, isto é, à experiência religiosa, que o contato com Deus, mediada pela religião, graças à sua linguagem simbólica, empreende. Tal negligência, às vezes propositadamente, leva a uma vida sem sentido. Quando a religião, seja qual for, é considerada como “tolice, como se tais coisas não existissem mais”, seu lugar é substituído por explicações racionais; embora satisfaçam ao menos momentaneamente, porque seguem o pensamento da maioria das pessoas, excluindo a possibilidade do “mistério” intervir na realidade humana, há um empobrecimento espiritual, sente-se, ainda que não se saiba o quê, a falta de alguma coisa.
             Preservar e transmitir a herança religiosa familiar, desde que esta atenda às suas necessidades espirituais, é dever dos pais. Cabe-lhes perceberem que seus filhos, e eles também têm uma Vontade, maior que as suas, a cumprirem, e para isso precisam suscitar-lhes ideias religiosas, para que não sejam pessoas superficiais, ainda que muito bem “adaptadas”, mas sem conteúdo suficiente, ou sem sentido de vida. Pais, caso vocês e/ou seus filhos estejam deprimidos, a razão pode estar na importância e domínio do intelecto sobre o “mistério”; ou ainda que tenham fé, esta talvez seja “intelectualizada”, isto é, firmada segundo os dogmas ou doutrinas da instituição religiosa, e praticada sem naturalidade: o resultado pode ser a depressão.
            A jovem judia, ao se conscientizar de que não era uma pessoa superficial, mas que havia em seu íntimo uma Vontade maior que as suas preferências, segundo Jung, “ao fim de oito dias sua neurose desapareceu”. Isto não quer dizer que todos os casos de depressão tenham como “fundo emocional” a traição do “mistério” ou o esquecimento de Deus, mas é uma possibilidade a ser investigada. O caso da jovem judia comprova.

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