quinta-feira, 6 de outubro de 2011

“São os ociosos que mudam o mundo”


            Ter tempo para fazer nada é ter tempo para pensar e transformar a realidade.
            Estar ocupado o tempo todo com alguma coisa, ou não ter tempo para nada, virou sinônimo de responsabilidade. Mas, não seríamos mais responsáveis se tivéssemos mais tempo para encontrarmos as soluções para nossos problemas?
            Contudo, quanto mais tempo passamos ocupados, menos tempo sobra para pensarmos a respeito do mundo, da família e de nós mesmos. Não seria este o propósito do espírito da nossa época: quanto menos ociosos, menor será o tempo para questionar a respeito da realidade? A quem interessa que a situação permaneça inalterada? Estamos sendo vítimas de uma estratégia de dominação, e não estamos percebendo? Por quê?
            A cultura full time equivalent está sendo empregada em todas as fases da vida. Desde as crianças, que são colocadas em escolas de tempo integral.
Todos estão sob o cetro da urgência permanente. Das crianças se exige maturidade, não podem viver no mundo imaginário – não seria este um dos motivos que têm levado alguns adultos a abusarem das crianças, inclusive sexualmente? Aos adolescentes é imposta a ideia de que não podem “perder tempo com bobagens” – amizade, sono, namoro, etc. Àqueles que têm o privilégio de estarem empregados, são entregues uma parafernália de aparelhos eletrônicos, para estarem “a postos” quando o chefe chamar. E, aos idosos é negado o desfrute da aposentadoria, porque muitos precisam continuar trabalhando para sustentar os filhos e os netos.
            Tememos a inatividade, porque não sabemos gozá-la; exorcizamo-la com ocupações, sem perceber que ela é necessária para sermos criativos. A inatividade é tida como sem finalidade. Inativos, nos sentimos culpados. Mas, e se o objetivo for para pensar novas maneiras de ser? Qual o tempo disponível para questionar? Quando refletiremos a respeito da vida, e do que estamos fazendo com ela?
            Na composição “Testamento”, Vinicius de Moraes (1913-1980) coloca em poesia este pensamento: “Você que não para pra pensar/Que o tempo é curto e não para de passar/Você vai ver um dia, que remorso!/Você que não gosta de gostar/Pra não sofrer, não sorrir e não chorar/Você vai ver um dia/Em que fria você vai entrar!”
            Não nos incomoda a “fria” na qual estamos nos metendo? Por quê? Porque estamos acostumados a considerar a cabeça como único instrumento de entender o mundo, isto é, a inatividade é racionalmente entendida como ócio, vício, vadiagem, mendicância, preguiça e porque somos capazes de negá-los, por isso criamos “negócios” – negamos o ócio. Numa época de exaltação ao raciocínio lógico, qual o lugar das entranhas de onde procede a sabedoria para gozar a existência?
O filósofo Adauto Novaes nos propõe, via internet, um momento de reflexão do lugar da inatividade na transformação pela qual o mundo precisa passar. Vale conferir: http://www.elogioapreguica.com.br/. Lá encontramos: “São os ociosos que mudam o mundo porque os outros não têm tempo algum”, Albert Camus (1913-1960).
Preferimos a imobilidade emocional - “não gostar de gostar, não sorrir e não chorar”, sem percebermos que nos tornamos mau humorados e rabugentos.
Será que Vinicius está equivocado, ao nos propor: “Como é bom parar/Ver um sol se pôr/Ou ver um sol raiar/E desligar, e desligar”?

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