domingo, 22 de maio de 2011

O feitiço dos números


            Eles estão nos anúncios publicitários; nas notícias, do esporte à política, do mundo das celebridades aos acontecimentos internacionais, das catástrofes ao entretenimento; nas informações econômicas; nas datas e horários; nos e-mails; nos produtos expostos nas gôndolas dos supermercados; enfim, em todos os cantos. Parece impossível nos livrarmos deles, pois parecem onipresentes. Com eles elaboramos várias coisas: cálculos, conceitos, eventos, pesquisas, leis, medidas, música, etc. São classificados em: absoluto, atômico, complexo, imaginário, racional, irracional, natural, quântico, relativo, e até transcendente, entre outros. Através deles o homem organiza o mundo e a si mesmo. Uma das primeiras lições que aprendemos sobre eles, é que são infinitos.
            Do que estou falando?
Dos números.
            Segundo o Dicionário Aurélio: “Número: substantivo masculino. Entidade abstrata que corresponde a um aspecto ou a característica mensurável de algo (quantidade, grandeza, intensidade, etc.)”.
            Talvez este seja o principal motivo pelo qual os números nos fascinam. Seduzidos por eles, não percebemos que avaliamos tudo pelos seus critérios. E, se assim vivemos, é como se estivéssemos enfeitiçados e possuídos por eles, à semelhança de seres mágicos que transformam tudo que se deixa ser tocado pelos seus poderes. E, qualquer coisa que não passe pelo seu escrutínio é imediatamente considerada indigna, desprezível, imperfeita, inútil, inapropriada, portanto, sem qualidade. Seu feitiço é implacável: a quantidade desqualifica tudo e todos.
            Obedecemos submissamente às palavras de ordem dos números. Só estamos satisfeitos se fizermos parte das estatísticas que apontam evoluções para cima ou para baixo. Nossa relação com eles vai além da matemática. Matemáticos seríamos se fôssemos simplesmente lógicos e racionais. Mas não, nos rendemos aos seus pés em verdadeira adoração e louvor. Como “entidades abstratas” os transformamos em deuses. Seus dogmas são: recordes, competitividade, metas a serem cumpridas, proporções. E, seu culto é diário, ininterrupto.
“Resultado” é a palavra sagrada que indica se o culto foi aceito ou não. Tudo tem de apresentar algum “resultado”. Nada é mais importante que o “resultado”. Ações sem resultados são um ataque a esta divindade, e uma blasfêmia.
Os números exigem exclusividade, e nos deixam fanáticos. É como se a vida sem resultados não fosse vida. Os resultados funcionam como narcóticos: rebaixam o nível de responsabilidade individual, e superestimam o espírito da massa dando a sensação de que o indivíduo sozinho não tem recursos próprios com os quais possa ser ele mesmo.
Não estaria aí a razão principal por que nos sentimos tão mal quando fracassamos, e não sabemos como lidar com os fracassos? Se a medida adotada para dimensionar o sucesso são os resultados a serem obtidos, então, nos dispomos a qualquer coisa para alcançá-los. A avaliação pelos resultados distorce a visão que temos de nós mesmos e dos outros. A sacralização dos números subtrai a grandeza da experiência de viver.

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