quarta-feira, 20 de abril de 2011

Burnout: uma perspectiva junguiana


BURNOUT, NA PSICOLOGIA JUNGUIANA
PERES, Sílvio Lopes
Teólogo, Pedagogo, Mestre em Ciências da Religião, Esp. Docência do Ensino Superior e Acadêmico do Curso de Psicologia – FASU/ACEG
e-mail: silviosilvia@ig.com.br

RESUMO
Este artigo se propõe a apresentar o conceito do transtorno mental denominado Síndrome de Burnout, e a proposta da Psicologia Junguiana.

Palavras-Chave: Síndrome de Burnout, Psicoterapia Profunda

ABSTRACT

Key Words:

O QUE É BURNOUT
            Surgido no início da década dos anos 1970, o conceito Burnout aparece nos Estados Unidos com o psiquiatra Herbert Freudenberger (1927-1999) em 1974, mas descrito pela psicóloga social estadunidense Christina Maslach (1981), autora do Maslach Burnout Inventory – Inventário de Análise Fatorial (MBI) que é aplicado em trabalhadores para verificar a presença ou não da Síndrome de Burnout. Segundo Vieira et al. (2006) “o Burnout não é uma síndrome clínica, e sim um diagnóstico de situação de trabalho”. São acometidos os profissionais ligados às áreas da saúde, educação e militar, ou seja, profissões que lidam diretamente com pessoas, e cujo sucesso depende das mesmas.
Etimologicamente Burnout significa “estar queimado”. Codó e Vasques-Menezes (2000, p. 29) “é uma desistência de quem não pode desistir”. Trata-se do sofrimento gerado quando há uma combinação dos seguintes fatores: vitória e frustração, na execução de um trabalho conforme seus projetos, desejos e esperanças pessoais, resultando em ansiedade, melancolia, baixa auto-estima, sentimento de exaustão física e emocional, de impotência, inadequação e inutilidade, para com o trabalho e a vida em geral, quer por fatores do próprio indivíduo, como idade, sexo, instabilidade familiar, quer do ambiente de trabalho, conforme Perez-Ramos (2004). É comum a confusão entre Burnout e Estresse Laboral, contudo Burnout apresenta um quadro mais grave, a ponto de levar o indivíduo a sua despersonalização, segundo Quirós e Labrador (2008). Pode-se verificar esta diferença, no seguinte quadro:
QUADRO 1 - DIFERENÇAS ENTRE BURNOUT E STRESS
BURNOUT
STRESS
é uma defesa caracterizada pela desistência
caracteriza-se pelo super envolvimento
as emoções tornam-se embotadas
as emoções tornam-se hiper-reativas;
o principal dano é emocional
é físico
a exaustão afeta a motivação e a iniciativa
a exaustão afeta a energia física
produz desmoralização
produz desintegração
pode ser melhor entendido como uma perda de ideais e esperança
como uma perda de combustível e energia
a depressão é causada pela mágoa engendrada pela perda de ideais e esperança
a depressão é causada pela necessidade do organismo de se proteger e conservar energia
produz uma sensação de abandono e desesperança
produz uma sensação de urgência e hiperatividade
produz paranóia, despersonalização e desligamento
produz desordens associadas ao pânico, fobias e ansiedades
não mata, mas pode fazer com que uma vida longa pareça não valer a pena ser vivida
pode matar prematuramente, e o indivíduo não terá tempo para concluir o que começou
* Fonte: http://www.fesppr.br/~denise/Sindrome_de_Burnout/7-S%CDNDROME%20DE%20BURNOUT.doc

            Trata-se de uma dificuldade muito intensa de se lidar com a afetividade pessoal relacionada com o ambiente social do trabalho, isto é, com os demais colegas de trabalho, devido à dificuldade de atribuir uma significação positiva às atividades laborais que executa junto a outras pessoas, especialmente porque, o “resultado” do seu trabalho está nos outros, pois são eles que respondem pela sua qualidade, porque eles recebem o investimento de uma grande energia pessoal e íntima destes profissionais, devido ao sentimento de altruísmo idealista, e isto compromete não só a produtividade, como também a qualidade do seu trabalho; e, ao avaliar os “resultados” conclui-se desperdício de tempo, mas principalmente de afetos-subjetivos, pois não se verifica dados animadores para a permanência desta energia, deixando como sintomas, segundo Codó e Vasques-Menezes (2000, p. 30): “exaustão emocional, despersonalização e baixo rendimento pessoal no trabalho”. A exaustão emocional se dá quando o paciente percebe nele mesmo que não têm mais os recursos necessários, antes disponíveis, para oferecer ao público que atende, antes sente um intenso cansaço, grande irritabilidade, forte propensão de sofrer acidentes, ansiedade generalizada, e o surgimento de doenças psicossomáticas. Segundo Silva (2000):
“Esse idealismo e sentimentos altruístas levam os profissionais a implicar-se excessivamente nos problemas dos usuários e convertem em uma direção pessoal para solução dos problemas. O próprio indivíduo tolera que se sinta culpado das falhas, tanto próprias como alheias, o qual resultará em baixos sentimentos de realização pessoal no trabalho”.
Quanto à despersonalização, trata-se da fase de maior relevância, que é quando o paciente apresenta um total esfriamento quanto à atividade que deve desenvolver junto aos outros, mas que os trata como meros objetos, demonstrando-lhes atitudes negativas e insensíveis. E, pelo fato de haver um baixo envolvimento pessoal com o trabalho, seu rendimento é sensivelmente diminuído, causando assim uma avaliação baixa e negativa de si mesmo. Tal quadro pode resultar em depressão, isto é, sensação de ausência de prazer e alegria na vida de modo geral. Segundo a Classificação Internacional de Doenças 10ª Revisão (Cid-10), (OMS, 1993, p. 301), trata-se de uma “sensação de estar “acabado”. Segundo Quirós e Labrador (2008, p. 54): “este problema está associado a um maior número de queixas físicas”.
Conforme Vieira et al. (2006), os que sofrem de depressão tem algumas vantagens sobre os que sofrem de Burnout:
“Comparados a indivíduos deprimidos, os que têm Burnout: 1) apresentam mais vitalidade e são mais capazes de obter prazer nas atividades; 2) raramente apresentam perda de peso, retardo psicomotor ou ideação suicida; 3) têm sentimentos de culpa mais realistas, se os têm; 4) atribuem sua indecisão e inatividade à fadiga (e não à própria doença); e 5) apresentam mais frequentemente insônia inicial, em vez de terminal (como na depressão)”.

            Não se trata apenas de estresse, mas de uma desmotivação que causa grande prejuízo emocional ao paciente, comprometendo a execução das tarefas, e o desenvolvimento do trabalho, isto é, a capacidade de concentração e de raciocínio, a que antes era dedicado e encarado com prazer. Conforme Santos (2008, p. 88): “essa doença chega à raiz do sentido de vida das pessoas, o trabalho acaba perdendo o sentido e o significado, chegando ao extremo da exaustão, sobrecarga, desumanização e falta de prazer”. Para Silva (2000): “Os trabalhadores sentem-se descontentes consigo mesmos e insatisfeitos com seus resultados no trabalho”. Portanto, trata-se de um transtorno que provoca sérias consequências psicofisiológicas, que afeta diretamente ao indivíduo, e à empresa em que trabalha.
            Para Santos (2008, p. 89):
“Os estudos sobre burnout evidenciam que a pessoa afasta-se da realidade, obedece cegamente à burocracia e busca se tornar inconsciente dos seus atos, atitudes, sentimentos, emoções, coisificando-se e desumanizando-se para não sofrer. Acaba por responsabilizar os outros dos males sofridos e enfrentados na profissão, vê tudo que é relacionado ao trabalho como negativo, desiste estando trabalhando; muitas pessoas não sabem que tem essa doença”.

PROPOSTA DA PSICOLOGIA JUNGUIANA
            Carl Gustav Jung (1875-1961) formulou a teoria dos Tipos Psicológicos a partir dos estudos de Alfred Adler (1870-1937) e Sigmund Freud (1856-1939). Segundo Zacharias (1995) ele identificou, inicialmente, pelo menos dois tipos de pessoas: extrovertidos e introvertidos. Jung (1978, p. 35) parte da seguinte questão: “será que existem pelo menos dois tipos diferentes de pessoas, um dos quais se interessa mais pelo objeto e o outro por si mesmo?”
            Tanto extrovertidos quanto introvertidos podem desenvolver o transtorno de Burnout. Os extrovertidos para Zacharias (1995, p. 26): “Correm o risco de ser envolvidos demais pelo mundo externo e suas exigências, ficando assim muito distantes de suas próprias necessidades pessoais”. E, os introvertidos para Zacharias (1995, p. 27): “o foco de atenção é deslocado para o seu mundo interno de impressões, emoções e pensamentos – os seus próprios processos internos”.
            Como Burnout surge e se desenvolve a partir do ambiente laboral, para Zacharias (1995, p. 61):
“Nas organizações, a tipologia poderá orientar a organização de grupos de trabalho, quanto ao tipo de tarefa a ser feita e quanto à dinâmica do grupo em questão. A tipologia também é útil para identificar a origem de conflitos em grupos de trabalho e oferece propostas para sua solução. Pode ser muito útil, ainda, nos processos de desenvolvimento profissional, identificando capacidades a serem trabalhadas e apoiando propostas de reorganização de funções e tarefas.”

            Além da tipologia humana deve-se verificar a vivência arquetípica do paciente com Burnout. Para Sharp (1996, p. 29): “Os arquétipos são, em si mesmos, irrepresentáveis. Seus efeitos, contudo, são discerníveis nas imagens e nos motivos arquetípicos”. O paciente com Burnout está sob a influência de vários arquétipos ao mesmo tempo, como da Grande Mãe e Pai; Persona, Sombra, Anima e Animus, Herói e do Self.
O sofrimento de Burnout pode ser entendido quando há uma identificação com um destes arquétipos, deixando-o sem iniciativa própria, mas se vendo obrigado a cumprir exigências do cargo que desempenha, que há muito perdeu significado para ele. Para Jung (2000, p. 156): “O eu só conserva sua independência se não se identificar com um dos opostos mas conseguir manter o meio-termo entre eles”. Sharp (1996 apud JUNG, 1987, p. 80):
“A identificação pode ser benéfica, na medida em que o indivíduo não pode seguir seu próprio caminho. Quando, porém, uma oportunidade melhor se apresenta, a identificação mostra seu caráter mórbido, tornando-se um impedimento tão grande quanto antes fora um auxílio e um apoio inconscientes. Seu efeito passa a ser dissociativo, cindindo o indivíduo em duas personalidades mutuamente desconhecidas”.

A psicologia junguiana se ocupará do fenômeno da identificação, contribuindo para que o paciente realize e mantenha um processo de diferenciação da sua pessoa com suas atribuições profissionais, que o levará ao propósito final da terapia junguiana, a saber, a individuação.
Conforme Samuels, Shorter e Plaut (1988, p. 62):
“A diferenciação é tanto um processo natural de crescimento como um empenho psicológico consciente (...) A individuação é um processo que exige uma diferenciação; uma pessoa dependente de suas projeções tem pouca ou nenhuma ideia daquilo que ela é ou de quem ela é”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
            Os profissionais que lidam diretamente com pessoas estão mais sujeitos à Síndrome de Burnout, especialmente aqueles que se envolvem a partir de um ideal altruísta, pois quando se avalia os resultados de seu empreendimento pode se verificar um baixo rendimento, comprometendo assim o sentimento de realização pessoal no trabalho, associado à queixa de natureza físico-corporal. A falta de prazer nas atividades profissionais pode levar o indivíduo a perder o sentido da sua própria vida, chegando a se “coisificar”, com o propósito de não sofrer.
            A terapia junguiana pode contribuir para que o indivíduo se conscientize de seu tipo psicológico, introvertido ou extrovertido, e busque um lugar mais apropriado no local de trabalho, para que possa se sentir pessoalmente realizado. Além disso, é necessário que mantenha a sua própria identidade como pessoa, sem se identificar com a sua tarefa laboral, procurando “manter o meio-termo”, se diferenciando de suas atividades profissionais.

Referências Bibliográficas
CODO, W. ; VASQUES-MENEZES, I. Burnout: sofrimento psíquico dos trabalhadores em educação. Instituto Nacional de Saúde no Trabalho (INST). São Paulo: Kingraf, 2000. Disponível em: http://www.sindiute.org.br/downloads/document
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JUNG, C. G. Psicologia do Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1978.
                        A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes, 2000.
OMS - Organização Mundial de Saúde. Classificação Internacional de Doenças 10ª Revisão (Cid-10): descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
PEREZ-RAMOS, J. Burnout: quando o trabalho ameaça o bem estar do trabalhador. São Paulo: Boletim Academia Paulista de Psicologia, Ano XXIV, nº 2/04, 2004. Disponível em: http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/946/94612361012.pdf (Acesso em 22/10/2010).
QUIRÓS, M. B.; LABRADOR, F. J. Relaciones entre estrés laboral, burnout y síntomas psicopatológicos en los servicios de urgencia extrahospitalaria del área 9 de Madrid. Madrid (Espanha): Anuario de Psicologia Clínica y de La Salud, 4, 2008.
SAMUELS, A.; SHORTER, B.; PLAUT, F. Dicionário crítico de análise junguiana. Rio de Janeiro: Imago, 1988.
SANTOS, G. A. C. As Interpretações do mal na religião e a síndrome de burnout. Goiânia: Revista da Abordagem Gestáltica, XVI (1), 2008. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1809-68672008000100012&script=sci_art text (Acesso em 19/10/2010).
SHARP. D. Léxico Junguiano: Dicionário de termos e conceitos. São Paulo: Cultrix, 1996.
SILVA, F. P. P. Burnout: um desafio à saúde do trabalhador. Revista de Psicologia Social e Institucional. Londrina: Universidade Estadual de Londrina (UEL), 2000. Disponível em: http://www2.uel.br/ccb/psicologia/revista/textov2n15.htm (Acesso em 21/10/2010)
VIEIRA, I. et al . Burnout na clínica psiquiátrica: relato de um caso. Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul,  Porto Alegre,  v. 28,  n. 3, Dec.  2006 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010181082006000300015&lng=en&nrm=iso>doi: 10.1590/S0101-81082006000300015 (Acesso em 21/10/2010)
ZACHARIAS, J. J. M. Entendendo os tipos psicológicos: Tipologia de C. G. Jung. São Paulo: Paulus, 1995.

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