sexta-feira, 29 de abril de 2011

Marília: cidade solidária?


            O monumento a ser levantado em homenagem a Antonio Pereira da Silva e a José Pereira da Silva, fundadores de Marília, fala de nós mesmos, da capacidade que a cidade tem de despertar sentimentos que nos garantam viver com sentido as oportunidades que se nos apresentam no tempo presente, e as que virão pela frente. Uma delas é expressa nas palavras de João de Almeida, membro da Comissão de Registros Históricos do Município: “Temos de unir a cidade” (Jornal da Manhã, 27/03/11, p. 3).
            Trata-se não apenas de um logradouro histórico, mas uma manifestação sensorial da nossa alma. O contato com ele deve estimular o nosso olhar para aquilo que somos como povo e sentirmos se ainda estamos comprometidos com o espírito seminal mariliense, a saber: trabalhar a terra e manter o vínculo com o Sagrado.
Se assim o fizermos seremos menos anoréxicos de solidariedade, menos paranóicos em nossos delírios de grandeza, menos maníacos por desenvolvimento, e menos angustiados quanto ao lucro e às riquezas, quando priorizados.
O monumento recompõe a visão de continuidade histórica, social, cultural, religiosa e emocional; corrige a miopia da urgência do imediatismo pragmático e líquido da vida pós-moderna, conceitos demarcados como perigosos pelo sociólogo polonês Zygmunt Baumann (1925-), e sintomas da condição neurótica em que nos encontramos, tão presentes quando se trata da relação com o próximo, alguns considerados como responsáveis pelo fim da “tranquilidade” da cidade, como querem nos fazer crer quanto aos moradores de rua, por exemplo.
Para o Secretário Municipal da Assistência Social, Clóvis Augusto de Melo, os moradores de rua “precisam de tratamento” (Jornal da Manhã, 6/04/11, p.4). É verdade. Para que não aconteça aquilo que o escritor italiano Itálo Calvino (1923-1985), tão precisamente alertou: “O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço” (Cidades Invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990).
De 1928 ou 1929 para cá, as transformações pelas quais esta região passou, graças à intervenção humana, também provocaram alterações na psique dos seus moradores. Não estamos aqui para sobreviver ao mal-estar que a desmemorização urbana provoca com a derrubada de construções antigas, mas para dar sentido à nossa presença no mundo.
É preciso resgatar o olhar da alma para a cidade, deixando para trás o olhar individualista, utilitarista, exclusivista e egocêntrico, tão próprios de políticos, policiais, empresários e religiosos oportunistas sem compaixão pelo povo que habita a cidade, como propõe a psicóloga Gelse Yuri Kakumoto (2005) em: Confissões Urbanas: cultivo da alma da cidade (www.symbolon.com.br/monografias2.htm).
“Aqui ninguém passa fome, o clima é bom e a população é educada, trata bem da gente. Tem respeito”, afirmou José Amorim, um dos moradores de rua de Marília (Jornal da Manhã, 6/04/11, p.4).
Qualquer outro entendimento sobre a vida urbana não deveria nos envergonhar?

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