sexta-feira, 29 de abril de 2011

O mundo de cada um é singular e inimitável, mas inspirador


            O lado humano da tragédia da região serrana do Estado do Rio de Janeiro, a cada dia se torna mais triste e angustiante. Já passam de 770 mortos, e tende a aumentar este número, sem contar os mais de 400 desaparecidos, o drama dos órfãos e desabrigados, muitos deles mais empobrecidos.
            Em “Medo líquido”, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925) registra que para o filósofo francês de origem argelina Jacques Derrida (1930-2004), “cada morte é o fim de um mundo, e a cada vez o fim de um mundo singular, que jamais poderá reaparecer ou ser ressuscitado. Cada morte é a perda de um mundo – uma perda eterna, irreparável” (Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 208).
            Derrida se refere à existência de um mundo particular que cada um de nós é capaz de pensar e sonhar – apesar de vivermos na era da globalização que procura massificar os modos de ver a realidade – mas que nem sempre se torna realidade exterior, e que é exterminado com a morte.
            Mundos próprios, com características peculiares que permanecerão desconhecidos para a maior parte da humanidade. Infelizmente, o mesmo se dará quando eu e você morrermos. O “nosso” mundo findará. Mais desolador ainda, se este mundo é desconhecido e ignorado por nós mesmos.
            Bauman chama a nossa atenção para a singularidade e a impossibilidade de outras pessoas imitarem os “nossos” mundos, mas que podem inspirar e enriquecer o mundo dos que ficaram vivos, caso saibam e mantenham vivas as visões de mundo dos mortos. Uma espécie de “fazei isto em memória de mim”.
            Trata-se da singularidade daqueles que acreditam que o mundo pode ser melhor; que as tragédias podem ser superadas; que a verdade pode vencer a mentira; que o trabalho honesto é a maior dignidade de um ser humano; que apesar da baixa remuneração por um trabalho prestado é possível manter o nome limpo na praça; que nada é mais prejudicial para a consciência pessoal do que o preconceito e a superstição; que a bondade e a tolerância são a argamassa mais sólida contra a maldade; que na mais grosseira feiúra é possível encontrar uma esplendorosa beleza; que a vida é mais valiosa do que os bens; que a piedade acompanha a sabedoria, e não a vontade de possuir mais, nem dominar a vida do próximo; que o diálogo é sempre mais promissor que seguir a dureza dos corações ou a frieza das leis; que, às vezes, é necessário sofrer alguma injustiça para se manter a unidade e até a saúde mental dos moralmente mais fracos; que a força do abraço e da união entre as pessoas pode fazer muita diferença na vida daqueles que são explorados e mantidos por meios fraudulentos, em níveis mais baixos que sua dignidade reclama; que a educação familiar e escolar põem fim a muitos sofrimentos da alma; que, para acabar com a miséria econômica, é preciso ser emancipado dos sistemas cruéis e criminosos da exploração do capital; que o lucro das atividades humanas não é mais importante se solidariedade entre os homens for desprezada e entendida como ignorância; que melhor que ficar lastimando as perdas, é perceber que é possível recomeçar; que a liberdade de consciência e seus riscos, é melhor que a segurança da opinião unânime; que, mesmo tendo falhado em algumas decisões, é possível corrigir o rumo da vida; etc. Por tudo isso e muito mais o mundo de cada um é singular e inimitável, mas inspirador.

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