quarta-feira, 20 de abril de 2011

Jung e Freud: história dos encontros e desencontros


ENCONTROS ENTRE JUNG E FREUD: APONTAMENTOS HISTÓRICOS
PERES, Sílvio Lopes[1]
AGOSTINHO, Márcio Roberto[2]

RESUMO
         Este artigo objetiva apresentar os fatos que antecederam, prepararam e permitiram que Carl Gustav Jung e Sigmund Freud se encontrassem pessoalmente. Procura mostrar que os encontros se deram graças às correspondências trocadas entre eles durante os anos 1906-1913, intercâmbios de estudos, e a defesa e divulgação da Psicanálise em Congressos Europeus e Internacionais. Mais do que encontros cordiais, foram momentos nos quais as divergências, na maioria das vezes, irreconciliáveis, ficaram estabelecidas.

PALAVRAS-CHAVE: Carl Gustav Jung. Sigmund Freud. História.

ABSTRAT

This article aims to present the facts that preceded, prepared and  allowed that Carl Gustav Jung and Sigmund Freud i found theirselves personally. It tries to show that the encounters felt thanks to the correspondences changed among them during the years 1906-1913, exchanges of studies and the defense and popularization of the Psychoanalysis in European and international Congress. More than cordial encounters, were moments  which the divergences, most of the time, irreconcilable they were established. 

KEY WORDS: Carl Gustav Jung. Sigmund Freud. History.

INTRODUÇÃO
         Os registros históricos perpetuam os fatos, mas especialmente, as características das personalidades dos indivíduos, neles envolvidos. Isto se verifica enfaticamente quando os registros se referem aos encontros entre as pessoas, devido à diversidade e complexidade humana.
A pesquisa bibliográfica dos registros que tratam de Sigmund Freud (1856-1939) e Carl Gustav Jung (1875-1961) revelou que ambos se encontraram pessoalmente apenas sete vezes. Estes encontros foram preparados com o início de intercâmbio de correspondências em 1906, e terminaram, laconicamente, em 1913.
Tendo realizado o fichamento das obras pesquisadas, o presente artigo se propõe apresentar os fatores que prepararam e permitiram que ambos se encontrassem pessoalmente, como também as divergências que os levaram a se separarem.
Trata-se de uma coleta de dados que interessa a historiadores, psicólogos e estudantes em geral.

FATORES HISTÓRICOS DOS ENCONTROS
O encontro pessoal entre Jung e Freud era uma questão de tempo. Em dezembro de 1906, Jung publica “A Psicologia da Demência Precoce”, no qual demonstra não só sua admiração por Freud, como também, suas ideias ocupam destacado lugar no desenvolvimento das suas ideias. A leitura do livro “A Interpretação dos Sonhos”, publicado por Freud em 1900, segundo Jung (1988), considerada bastante útil, os aproximou, pois naquele mesmo ano este dera início a utilização do método de associação de palavras, no tratamento de seus pacientes psiquiátricos, no Hospital Burghölzli, em Zurique/Suíça.  Para JUNG (1985, p. 39), o referido livro: “marcou época [...] era a tentativa mais audaciosa jamais empreendida com vista a dominar os enigmas da psique inconsciente [...] uma fonte de iluminações”. Em 1901, Jung escreveu “Sigmund Freud: sobre os sonhos”, que segundo Motta (2003) foi uma apreciação apresentada à equipe de médicos do Hospital, por solicitação do seu orientador Eugen Bleuler (1857-1939).
Jung teve de superar preconceitos sociais, raciais e religiosos, que Freud sofria na comunidade acadêmica. Segundo ele (1988, p. 134): “Freud era persona non grata no mundo universitário, sendo prejudicial a todo cientista de renome ter relações com ele”. Portanto, identificar-se com as ideias de Freud era passível de ridicularização. O mesmo autor (1985), afirma que isto se dava pelas seguintes razões: as afirmações de Freud afrontavam os costumes da sociedade vitoriana, considerada por ele, repressora da sexualidade; seus questionamentos quanto à religião em todas as suas formas; e, por sua origem judaica, que já suscitava conflitos anti-semíticos na Europa. Contudo, Jung permaneceu aberto a aproximar-se de Freud, desde o momento em que percebera a psicanálise, segundo ele, como “o método inestimável e indispensável” (1985, p. 34).
         Foi no Congresso de Neurologistas e Psiquiatras do Sudoeste da Alemanha, em Baden-Baden, em 1906, conforme BAIR (2006, pp. 141-142) que: “Jung fez sua primeira defesa de Freud ao rebater Gustav Aschaffenburg, [...] que dissera que o método de Freud mostrava-se errado na maioria dos casos, objetável em muitos, e supérfluo em todos”. Segundo a mesma autora (2006) em 1906 iniciam-se as trocas de correspondências. A primeira carta, datada de 05 de Outubro de 1906, de Jung para Freud se perdeu; e em sua segunda missiva, Jung declara que apreciava a afirmação de Freud quanto à “gênese da histeria”, porém, não concordava que isto se devia “exclusivamente” à repressão sexual, apesar de considerar muito provável que assim fosse, como postulava Freud. No mesmo ano, Jung envia a Freud “Estudos de Diagnóstico de Associação”, que segundo MCGUIRE (1993, p. 41, apud MOTTA, 2003), Freud já havia comprado e lido por “impaciência”; que segundo BAIR (2006, p. 499), foi porque “Freud teria de dar uma aula sobre o assunto”. Numa carta de 17 de janeiro de 1909, Freud afirma: “O senhor será aquele que, como Josué, se eu fosse Moisés, tomaria posse da terra prometida da psiquiatria a qual eu apenas pude vislumbrar ao longe” (GAILLARD, 2003, p. 62).
         Inicialmente, os dois se aproximavam através de cartas semanais, e caso houvesse alguma demora de alguns dias, logo era alvo de reclamações, principalmente por parte de Freud; estas serviam para que ambos apresentassem apreciações e críticas mútuas acerca das posições que tomavam frente aos casos que tratavam, dos quais trocavam observações e desenvolviam as pesquisas que publicavam, que eram remetidas um ao outro. O encontro entre Jung e Freud significou o início do fim do isolamento do pai da psicanálise. Para MEZAN (2006, p. 295): “sem o episódio Jung, por certo não teriam visto a luz “Totem e Tabu” ou a “Introdução ao Narcisismo”, pois são respostas de Freud à obra “Símbolos e Transformações da Libido”, de Jung.
Outro fator que os levou a se encontrarem foi que ambos perceberam que como terapeutas podiam se analisar mutuamente, por iniciativa de Jung, e que Freud concordou. Segundo GAY (1989, pp. 194, 195): “Freud gostava realmente de Jung, depositava grandes esperanças nele e precisava idealizar alguém [...] Jung, por sua parte, aquecia-se ao calor da aprovação de Freud”. O primeiro encontro se deu em 03 de Março de 1907. Jung acompanhado de sua esposa Emma Rauschenbach Jung (1882-1955), e do colega psiquiatra Ludwig Binswanger (1881-1966), se apresentaram à Rua Bergasse 19, em Viena/Áustria, na residência de Freud. O encontro se deu, após o almoço, no escritório de Freud. De acordo com JUNG (1988, p. 135) neste primeiro encontro:
Conversamos a partir de uma hora da tarde, quase ininterruptamente, durante treze horas. Freud era a primeira personalidade verdadeiramente importante com a qual me relacionava. [...] Suas palavras, entretanto, não puderam remover meus escrúpulos e minhas dúvidas. Eu as expus várias vezes, mas ele me lembrava minha falta de experiência. Freud tinha razão. Naquela época eu ainda não tinha bastante experiência para justificar minhas objeções.

Segundo GAY (1989, p. 195): “a visita a Viena foi um festival de conversas profissionais, intercaladas por uma reunião da Sociedade Psicológica das Quartas-feiras e pelas refeições familiares”. O mesmo autor afirma que o encontro de Freud, Jung e Binswanger foi marcado pela descontração, mas também pelo trabalho psicanalítico. De acordo com ele (1989, p. 196): “à vontade, os três homens interpretaram mutuamente seus sonhos, fizeram passeios e partilharam as refeições”. O encontro serviu para Freud assegurar a Jung sua confiança quanto ao futuro da psicanálise, porém, sem muita convicção, pois “entre os sonhos de Jung, houve um que Freud interpretou como significando que Jung desejava destroná-lo” (1989, p. 196). Para JUNG (1988, pp. 135, 136, 137), entretanto, o encontro serviu para perceber duas coisas: “a sexualidade era, para ele, uma realidade numinosa [...] a libido sexual se revestira e desempenhara nele o papel de um deus oculto”, e a atitude que tinha quanto a “espiritualidade”, atribuindo a esta, também uma conotação sexual. Para QUINODOZ (2007, p. 138): “pouco depois de seu encontro em 1907 já começaram a surgir divergências de opinião”.
Tendo como fim a institucionalização da Psicanálise na Europa, a este encontro seguiu-se uma série de outros. Em novembro do mesmo ano, Jung forma um pequeno grupo de estudos, que chamou de “Grupo Freud”, onde expunha e defendia as ideias psicanalíticas diante dos seus colegas de profissão; no ano seguinte, se encontram em Salzburgo/Áustria, durante o Primeiro Congresso Psicanalítico Internacional, juntamente com outros 40 participantes, de seis países; nos dias 18 a 21 de Setembro de 1908, Freud visita Jung em sua residência em Zurich; em 1909, Jung é escolhido por Freud para ser o redator-chefe do “Jahrbuch für Psychoanalytische und Psychopathologische Forschungen” – Anuário para Pesquisas Psicanalíticas e Psicopatologias; Jung volta a Viena para visitar Freud, desta vez acompanhado somente por sua esposa, durante os dias 25 a 30 de março de 1909, quando discutiram, segundo JUNG (1988, p. 140) acerca da: “preconigção e de parapsicologia em geral”. Num destes dias, enquanto conversavam deu-se um estalo muito forte numa das estantes do escritório de Freud a ponto de considerarem a possibilidade de a estante cair da parede. Para Jung (1988, p. 140) isto fora: “um fenômeno catalítico de exteriorização”, enquanto que para o anfitrião não passava de um acontecimento comum. Ao que Jung respondeu: “De forma alguma, o senhor se engana, professor. E para provar-lhe que tenho razão, afirmo previamente que o mesmo estalido se reproduzirá. E, de fato, apenas pronunciara estas palavras, ouviu-se o mesmo ruído na estante” (1988, p. 140).
Desde aquela experiência, Freud passou a desconfiar de Jung, contudo para ele foi como se tivesse afrontado ao mestre. Em agosto daquele ano Jung, Freud e Sandor Ferenczi (1873-1933) viajam juntos para os Estados Unidos da América do Norte a convite da Clark University, onde receberam o título Doutor em Direito honoris causa, oferecido pelo psicólogo Stanley Hall (1844-1924). Nesta ocasião, Jung profere três palestras, a saber: “O Método das Associações”; “A Constelação Familiar”; e, “Sobre os Conflitos da Alma Infantil”; e, Freud apresenta “Cinco Lições de Psicanálise”. Segundo NOLL (1996, p. 49): “as sete semanas que passou com Freud em navios e nos Estados Unidos durante o outono de 1909, cada um analisou diariamente os sonhos do outro”. Antes da partida para a América do Norte, Jung faz comentários sobre os “cadáveres dos pântanos” de Bremen, que graças à composição das águas os corpos ali sepultados se mantinham preservados e intactos. Esta conversa desagradou a Freud, a tal ponto de levá-lo a sofrer um desmaio enquanto falavam sobre isso. Fato que veio a se repetir quando se encontram em Munique/Alemanha, em 1912, também quando conversavam a respeito de outro morto, o faraó Amenofis IV (1388-1335 a.C.). De acordo com JUNG (1988, p. 141): em ambas as ocasiões, o desmaio se deu porque Freud interpretara que Jung “desejava sua morte”.
Em Setembro de 1911, dois anos antes do rompimento definitivo, Jung recebe a visita de Freud em sua clínica particular em Künascht/Suíça, onde permaneceu durante quatro dias. Segundo BAIR (2006, p. 253): a visita serviu para que o anfitrião considerasse as opiniões de sua esposa, que queria livrá-lo das preocupações de “ganhar dinheiro”. Tanto para Emma quanto para Freud, Jung deveria se dedicar às suas pesquisas, graças às suas capacidades extraordinárias de escrever e defender suas ideias.
Pelas cartas definiam as ações que deveriam empreender para o desenvolvimento da psicanálise na Europa, nos Estados Unidos, e as organizações dos Congressos de Psicologia, além da formação da Associação Internacional de Psicanálise, da qual Jung, inicialmente, foi o redator-chefe do Jornal, e depois eleito seu presidente, cargo que ocupou até 1914.
         Em 1913 os encontros passam a ser desencontros. Conforme KERR (1997, p. 03) no último encontro em Munique, em Setembro de 1913: “nessa ocasião, ao que se saiba, não trocaram uma única palavra”. Para BAIR (2006, p. 310): “a correspondência continuou durante o ano de 1913 com uma formalidade estudada, consciente, dominada por discussões sobre conteúdos e contratos dos periódicos”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
         Os encontros de Freud e Jung se deram em circunstâncias de inauguração de um dos mais importantes movimentos da psique humana. Estes encontros ressaltaram as divergências, no entanto, apontam para a grandeza de suas contribuições para o conhecimento científico.
         A pesquisa bibliográfica revelou que ambos se dedicavam mais às causas científicas do que às questões pessoais que se apresentaram neste percurso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAIR, D. Jung: uma biografia (Volume 1). São Paulo: Globo, 2006.
GAILLARD, C. Jung e a vida simbólica. São Paulo: Loyola, 2003.
GAY, P. Freud: uma vida para o nosso tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
JUNG, C. G. Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
__________ O espírito na arte e na ciência. Petrópolis: Vozes, 1985.
KERR, J. Um método muito perigoso: Jung, Freud e Sabina Spielrein: a história ignorada dos primeiros anos da psicanálise. Rio de Janeiro: Imago. 1997.
MEZAN, R. Freud, pensador da cultura. 7ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
MOTTA, A. A. da. Freud e Jung, sexualidade e conflito. São Paulo: Junguiana Revista da Sociedade Brasileira da Psicologia Analítica, Nº21, 2003.
NOLL, R. O Culto de Jung: Origens de um movimento carismático. São Paulo: Ática, 1996.
QUINODOZ, J. M. Ler Freud: Guia de leitura da obra de S. Freud. Porto Alegre: Artmed, 2007.


[1] Teólogo, Pedagogo, Mestre em Ciências da Religião, Especialista em Docência do Ensino Superior e Acadêmico do Curso de Psicologia – FASU/ACEG – e-mail: silviosilvia@ig.com.br
[2] Teólogo, Psicólogo, Mestre em Ciências da Religião, Coordenador do Curso de Psicologia e Diretor da Faculdade  - FASU/ACEG – GARÇA/SP – e-mail: casteloagostinho@yahoo.com.br

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