quarta-feira, 20 de abril de 2011

O conceito de eu na renascença


O CONCEITO DE EU NA RENASCENÇA
SANTOS, José Wellington
Docente do Curso de Psicologia - – FASU/ACEG
AGOSTINHO, Márcio Roberto
Coordenador do Curso de Psicologia - FASU/ACEG – GARÇA/SP – BRASIL
PERES, Sílvio Lopes
Pedagogo, Mestre em Ciências da Religião e acadêmico do Curso de Psicologia – FASU/ACEG
RESUMO

Este artigo nasce de uma pesquisa bibliográfica a partir de um viés psicossocial. A proposta deste trabalho é mostrar como o Renascimento, enquanto acontecimento fundador da modernidade, forjou um novo conceito de eu em contraste com a personalidade medieval. Faremos isto a partir de uma perspectiva psicossocial, destacando os principais movimentos que influenciaram o surgimento do homem moderno.

PALAVRAS CHAVE: Renascimento; personalidade; modernidade; individual; autonomia; capitalismo.

ABSTRACT

This article is raised from a survey bibliography based on social-phycho aproach,  The proposal of this work is to show how the reborning period, as the foundaion of the modernity, helped the new conception of ME, into a contract against the medieval personality. We Will do based on a social-phycho perspective, highlighting the main moviments that influed the ariseing of the modern man.

1. INTRODUÇÃO

O Renascimento, importante movimento de renovação cultural ocorrido na Europa durante os séculos XV e XVI, é considerado o marco inicial da era moderna. O Renascimento não foi apenas o início de uma nova era, mas também o surgimento de um novo homem. (Erich Fromm, 1980). A estrutura da sociedade modificou-se na fase final da Idade Média. A unidade e a centralização da sociedade medieval se enfraqueceram. O capital, a iniciativa econômica individual e a competição aumentaram de importância; surge uma nova classe social endinheirada, a burguesia, cujos membros estavam animados por um espírito de iniciativa, poderio e ambição.
O Renascimento, enquanto movimento de transformação cultural, afetou a personalidade na mesma direção em que os seguimentos político, econômico e social começaram a seguir. É comum falar das mudanças políticas e sociais ocorridas na passagem da idade média para o Renascimento, como: a diminuição do poder da igreja;  o advento da reforma, a crise do sistema feudal, mas não se pode esquecer das mudanças do modo vida das pessoas implicadas nestas transformações.
O desenvolvimento ulterior da sociedade capitalista preparou o homem, psicologicamente, para o papel que deveria exercer na nova era. (1980).  Isto é, nas palavras de Erich Fromm, esta nova ordem de coisas requeria um novo homem, em contraste com o homem medieval.           
 Neste trabalho, pretendo analisar a mudança que aconteceu no conceito de personalidade a partir da Renascença, principalmente, em contraste com o homem medieval, destacando os fenômenos culturais a partir dos quais se formou o conceito de personalidade moderno e contemporâneo. Trata-se de contextualizar, histórica e socialmente, o surgimento do conceito moderno de personalidade, de maneira a tornar compreensíveis as transformações pelas quais passou este campo do pensamento. Farei isto, sob o ponto de vista psicossocial, através de uma revisão bibliográfica, nas quais alguns autores se destacam, como: Erich Fromm (1980), Max Weber (2004) e outros.       
CONTRASTES ENTRE IDADE MÉDIA E RENASCENÇA.   
                         
            Ao falar de “sociedade medieval” e de “espírito da Idade Média”, em contraste com a sociedade moderna inaugurada pela renascença, refere-se a uma certa continuidade histórica, considerando que alguns elementos modernos começaram a surgir no final da Idade Média, e ao mesmo tempo às diferenças fundamentais entre a sociedade medieval e moderna.
O que caracteriza a era moderna, em contraste com a medieval, é a presença de liberdade individual e o espírito humanista que coloca o homem como a medida de todas as coisas. Na sociedade medieval, a vida particular, econômica e social era controlada por regras e obrigações, pois as pessoas estavam presas ao respectivo papel social, com poucas possibilidades de mudar socialmente de uma classe para outra, sequer tinha liberdade de vestir-se como quisesse ou de comer o que gostasse. Uma pessoa identificava-se com seu papel na sociedade: ela era um camponês, um artesão, cavaleiro, e não o indivíduo que por acaso tinha esta ou aquela ocupação. A ordem social era concebida como uma organização natural, e ser uma parte definida dela dava ao homem uma sensação de segurança e de relacionamento. (Erich Fromm, 1980).            
             
A sociedade medieval não despojava o indivíduo de sua liberdade, porque o “individuo” ainda não existia: o homem estava ainda relacionado com o mundo pelos vínculos primários. Ele ainda não se concebia como um indivíduo, salvo através de seu papel social (que era então, igualmente, seu papel natural). Ele não encarava tampouco as outras pessoas como “indivíduos”. O homem só se dava conta de si mesmo como membro de uma raça, povo, partido, família ou corporação – através de uma categoria social qualquer. (Erich Fromm, p.43).


            No final da Idade Média, surge uma nova classe de comerciantes animada por um espírito de iniciativa e ambição, era o surgimento do primeiro tipo de capitalismo, o comercial, onde a tradicional estratificação social foi abalada, dando lugar a uma nova organização social em que o berço e a origem eram menos relevantes que a riqueza. (Fromm, 1980). A unidade e a centralização da sociedade medieval, motivados pelo espírito de solidariedade, deram lugar ao individualismo e a fragmentação, motivados pela competição em busca de riqueza. (Fromm,1980).
            Fica evidente, pela passagem acima, que houve uma mudança na concepção do lugar do homem no mundo. Há agora uma grande valorização do homem e, ao mesmo tempo, a idéia de que ele tem que buscar uma formação, ele deve se constituir enquanto um ser que escolhe seu próprio destino, agora, ele é o que é pelos seus próprios esforços. A arte renascentista reflete esse novo homem que tem autoconsciência. No contexto renascentista, não há mais apenas uma cena bíblica que importa, mas a mão do sujeito que deixa a sua marca na obra. Leonardo da Vinci e Michelangelo, mais que artistas, são homens que deixam seu traço pessoal na obra que criam. (De Santi, 2005).
            O contraste entre Idade Média e Renascença, apresentado nesta parte do trabalho, demonstra que a virada do século XV para o século XVI não foi apenas uma virada de século, mas, sobretudo, uma mudança de era que exigiu um novo homem, em contraste com o homem medieval.


3. AS CARACTERÍSTICAS DO EU NA MODERNIDADE.

            A partir do Renascimento, surge a auto-percepção de um eu individual, autônomo, independente, separado do outro. A frase de William Shaskespeare “ser ou não ser eis a questão” expressa uma característica essencial da modernidade que é a interioridade. A reflexão, desdobramento sobre si mesmo. (De Santi, 2005).  O homem moderno é autoconsciente, portanto, vaidoso de suas próprias qualidades e capaz de se autodeterminar, recusando-se a ser objeto de manipulação de quem quer que seja.
            O mundo inaugurado pelo Renascimento é um mundo aberto, sem respostas prontas, sem uma ordem estável, sem referências externas e absolutas que orientavam o homem na Idade média.  Neste mundo aberto, marcado pela adversidade, o homem deve procurar suas próprias respostas, tem que construir seu próprio destino, porque nada é predeterminado. A abertura do mundo trouxe o encontro com a multiplicidade decorrente da abertura comercial, das viagens marítimas que propiciaram o contato com outras culturas, novas civilizações, com seus costumes, línguas, hábitos alimentares. (De Santi, 2005). Neste mundo aberto, o homem deve escolher seu próprio caminho. Essa escolha implica em uma construção da identidade. A questão passa a ser: o que devo ser? Como devo me formar? Em termos psicológicos, como devo construir minha identidade?

A nova valorização do ser humano e a imposição de que ele construa sua existência e descubra valores segundo os quais viver, aliada a toda dispersão e fragmentação do mundo levarão à tentativa de criação de mecanismos para o domínio e formação do eu. É na formação destes procedimentos – “modos de ser” – que poderemos começar a reconhecer os rumos que levarão à Psicologia. (De Santi, p.35, 2005).


            Desde o Renascimento, o homem afirma-se como um eu individual. Alguém, cujo valor está em seus próprios esforços, na sua autoconfiança e iniciativa. Consequentemente, o homem se percebe e aos outros como entidades isoladas. Como diz Erich Fromm, o isolamento é a grande marca da sociedade moderna. (1980). A concepção de um eu individual, autoconsciente, separado da natureza propicia ao homem descobrir-se como um ser ambíguo, conflitante e duvidoso. Consequentemente, a relação do indivíduo com seu próprio eu torna-se insegura e incerta. (Fromm,1980).
            A identidade passa a ser uma questão na Modernidade. Desde Descartes, temos dúvidas acerca de nós mesmos, quem somos nós ou o que devemos ser. O caminho para lidar com esta dúvida angustiante é a necessidade cada vez mais premente de se afirmar como um ego individual.  

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            O Renascimento, enquanto acontecimento fundador da Modernidade, não representou apenas mudanças no campo da arte, da literatura e da ciência, mas, sobretudo, no campo da autopercepção, na forma das pessoas se perceberem, nos modos de ser. A personalidade moderna, em contraste com a medieval, é autônoma, autoconsciente, individual e ambígua. É uma personalidade incerta porque está sendo construída. É um eu aberto às possibilidades, sem respostas prontas e definitivas. Acho que a partir do instante em que o eu se tornou uma questão, um problema a ser resolvido, a nossa angústia aumentou e não há remédio para ela, a não ser que renunciemos a liberdade de ser o que se quer ser. Mas, isto é tema para um outro artigo.


BIBLIOGRAFIA

FROMM, ERICH. Psicanálise da sociedade contemporânea.São Paulo: Círculo do Livro S.A, 1955.
______ O Medo da liberdade. Rio de Janeiro: Zarar Editores, 1980.

DE SANTI, PEDRO LUIZ RIBEIRO.  A Construção do eu na Modernidade. Ribeirão Preto-SP: Holos Editora, 2005.

WEBER, MAX. A Ética Protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: companhia das letras, 2004.

R.H.RAWNEY. A Religião e o surgimento do capitalismo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1971.

ROSENFELD, A. O pensamento psicológico. São Paulo: Perspectiva, 1993.







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