sexta-feira, 29 de abril de 2011

O Samba pode parar o Carnaval


            O País inteiro se prepara para os bailes e desfiles de carnaval: escolas de samba, blocos carnavalescos de pequenas cidades a metrópoles; famílias e amigos compram fantasias, confetes e serpentinas – tudo para “pular” de alegria.
            A mobilização para a festa envolve clubes de recreação, associações de bairro, grupos de amigos, quarteirões de vizinhos, e até algumas igrejas. Todos buscam oferecer algo que seja “melhor” do que anos anteriores.
            Esforços não são medidos, para que os critérios adotados pelos organizadores, como a “preservação da cultura”, e oferecer momentos de “alegria e prazer” aos foliões, sejam atendidos “a contento”.
Mas o investimento financeiro é muito alto, e a cada ano fica mais elevado; por isso, os organizadores recorrem ao caixa dos governos municipais principalmente, não importando se o dinheiro poderia atender a áreas como saúde, educação, moradia, obras de infraestrutura, etc.
Na maioria das vezes, os empresários e os doadores particulares só são procurados quando o poder público avisa que não aprovará verbas para a festa, e quase sempre, porque alguma taxa a ser cobrada dos munícipes não foi aprovada; isto provoca muita insatisfação dos organizadores, mas principalmente dos meios de comunicação, que veem seus interesses contrariados.
            Entretanto, a patuscada pode ser suspensa sem prejuízo cultural algum, sem que o povo fique “ruim da cabeça, ou doente do pé”, como cantava Dorival Caymmi (1914-2008), uma vez que o compositor baiano não se referia ao carnaval, mas ao samba como gênero musical. Este sim, dá à nossa identidade cultural um brilho todo especial. É só verificar as obras de Noel Rosa, Cartola, Ary Barroso, Adoniran Barbosa, Chico Buarque, Paulinho da Viola, entre outros.
            Dentre estes há um mariliense: João Lutfi (1939), pseudônimo Sérgio Ricardo.
            Em uma de suas composições, Sérgio Ricardo nos indica que quando há uma tragédia como a que está vivendo o povo fluminense, onde mais de 500 pessoas morreram vítimas de deslizamentos, a brincadeira do carnaval deve parar.
Ele mesmo assistiu da janela da casa onde morou na Rua Humaitá, na cidade do Rio de Janeiro, cenas como a que estamos assistindo, tão passivamente, pela TV, e compôs a música, considerada “seu maior sucesso”, “Zelão”, que diz: “Todo morro entendeu quando o Zelão chorou/Ninguém riu, ninguém brincou, e era Carnaval/No fogo de um barracão/Só se cozinha ilusão/Restos que a feira deixou/E ainda é pouco só / Mas assim mesmo o Zelão/Dizia sempre a sorrir/Que um pobre ajuda outro pobre até melhorar/Choveu, choveu/A chuva jogou seu barraco no chão/Nem foi possível salvar violão/Que acompanhou morro abaixo a canção/Das coisas todas que a chuva levou/Pedaços tristes do seu coração”. Outras informações sobre Sérgio Ricardo, acesse e ouça: www.sergioricardo.com, e http://letras.terra.com.br/sergio-ricardo/481480.
            O samba se inspira até mesmo nas tragédias que nos abatem, e tem autoridade para parar o carnaval. A folgança, porém, deve respeitar a dor, principalmente quando esta ganha proporções coletivas. As imagens vistas pela janela eletrônica em nossas casas cobram uma ação do poder público e dos seus organizadores, pois “a grande ilusão”, segundo Vinicius de Moraes (1913-1980) e Tom Jobim (1927-1994), no samba “A Felicidade”, pode e deve ser suspensa, independentemente dos prejuízos econômicos da indústria do entretenimento, se quisermos continuar fazendo samba.

Nenhum comentário:

Postar um comentário