sexta-feira, 29 de abril de 2011

Moradores de rua: quem são?


            “O morador de rua não é só aquele que está debaixo do viaduto, dormindo debaixo de uma coberta (...), mas é aquele morador que um dia teve uma cama quente, um lar, uma cultura. Mas como se fosse numa fração de segundos, como um vírus no computador, aquilo deu um "tilt" na vida dele. E ele parou de funcionar, e ele foi parar ali, como se fosse um depósito de ferro velho. Sem ter alguém, um mecânico que fosse lá tentar descobrir onde estava o problema, tentar descobrir se tinha conserto ou não aquela peça...”, assim se define um morador de rua. E, continua: “E cada vez mais, quanto mais tempo a pessoa fica colocada nesse depósito de ferro velho, que é o mundo aí fora, as calçadas e as esquinas da vida, aquele defeito vai se agravando de tal forma que vai tomando conta de todas as peças. Chega um determinado momento que esta peça não tem mais vontade própria, nem sequer ela lembra que teve um passado. Ela começa a viver na verdade aquele sub-mundo que ela está vivendo e esquece que existe outro mundo. Ela começa a ver as pessoas que vivem nesse outro mundo como se fossem "ETs", como se fossem pessoas superiores a ela, ao máximo. Por mais capacidade que essa pessoa tenha, ela não consegue botar isso para frente, ela não consegue botar isso para uma mudança da própria vida dela” (citado por MATTOS, R. M. e FERREIRA, R. F. Quem vocês pensam que (elas) são? Representações sobre as pessoas em situação de rua. Porto Alegre: Psicologia e Sociedade, Vol. 16, nº 2, 2004).
É morador de rua: “Todo indivíduo migrante, imigrante ou nascido numa grande metrópole que tem o seu fundo de consumo completamente dilapidado (...) e não consegue mais repor tal fundo e promover o seu bem-estar. Após atravessar um momento em que ocorre o afastamento do mercado de trabalho, a desestruturação familiar e o rompimento com as antigas relações que compunham sua rede de sociabilidade, esses indivíduos passam a depender da rede pública de proteção social, quando não se apropriam do espaço público, transformando-o em moradia” (GIOGETTI, C. Moradores de rua: uma questão social? São Paulo: Fapesp/Educ, 2006).
            Para onde ir sem casa, sem família, sem trabalho, sem dinheiro, sem amigos? Há algum outro lugar? Qual? Onde é? Como chegar até lá? Quem souber favor indicar.
            Há muito tempo, a pobreza é encarada como foco de reprodução de doenças. O fenômeno da exclusão social tem aí seu nascedouro: se o indivíduo é pobre, é sinal de que ele é doente. Por isso, para muitos, os moradores de rua devam ser tratados como uma questão sanitária. “Cidade limpa, povo civilizado” – é o lema de várias campanhas públicas, mas que reforçam a ideia da assepsia social, não muito distantes do ideário nazista.
A ideologia do “clean” ganha cada vez mais espaço em nosso mundo: na arte, na moda, na arquitetura, na economia, na música, até no sistema jurídico está presente a ideia do minimalismo, a valorização do “mais, com menos”. Contudo, esta relação não se aplica às pessoas. Indivíduos “com menos”, passam a ser invisíveis. Só as pessoas que têm são interessantes e notadas. Por isso, para muitos, ter é prioritário ao ser. E, quem não mantém os benefícios da família, do trabalho e dos amigos, provoca estranheza, porque constrange, e logo são tratadas com hostilidade e indiferença, como se fossem não-humanas.
Talvez por isso, para muitos, trata-se de um problema insolúvel. E um dos fatores que contribuem para este entendimento é considerar que estas pessoas são “culpadas” pela situação que estão vivendo. Segundo o teólogo e psicólogo social Pedrinho Guareschi, pode-se afirmar: a “culpabilização” é gerada pela ideia capitalista de que todos têm igual acesso aos bens de consumo, e oportunidades de viver. Porém, não é difícil perceber que há outros fatores que integram a vida humana.

Nenhum comentário:

Postar um comentário