sexta-feira, 29 de abril de 2011

Moradores de rua


            Vulnerabilidade. Esta palavra define o estado de coisas que experimenta um morador de rua. As condições materiais e sociais são precaríssimas, e só deterioram a cada dia. São encontradas morando nas ruas, pessoas de todas as faixas etárias: de bebês a idosos. Todos, sem exceção, são rotulados por alguns adjetivos: “maloqueiro”, “sem-teto”, “pedinte”, “mendigo”, “desocupado”, “preguiçoso”, “vagabundo”, “pardal”, “bêbado”, “marginal”, “pobrezinho”, “doido”, etc., com enorme prejuízo social, moral, familiar e pessoal. Para o professor José Sterza Justo, doutor em Psicologia Social, da Universidade Estadual Paulista: “O descaso, o desprezo e a rigidez no tratamento são mais doloridos, segundo os andarilhos, do que a fome e a miséria material”.
Contudo, deve-se registrar: esta forma de enquadrar ou classificar as pessoas não leva em conta os fatores que podem tê-las levado a viverem nas ruas. Enquanto estivermos encantados com o espírito da época que valoriza cada vez mais o avanço tecnológico, o estabelecimento do regime político democrático e o acesso a bens de consumo que deixam a vida mais prática, dificilmente nos ocuparemos com “o processo permanente de morrer”, para o qual Hannah Arendt (1906-1975) nos chamou a atenção em seu As Origens do Totalitarismo (1951). Na realidade, tanto as situações que levam as pessoas a viverem como moradoras de rua, quanto a exclusão social são fenômenos que podem ser mensurados, analisados e atendidos.
            Segundo Sarah Escorel, médica sanitarista, a exclusão social é um "processo no qual – no limite – os indivíduos são reduzidos à condição de animal laborans, cuja única atividade é a sua preservação biológica, e na qual estão impossibilitados de exercício pleno das potencialidades da condição humana".
            Para os doutores em Saúde Pública Walter Varanda e Rubens Adorno: “Entrar na rua significa desenvolver um processo compensatório em relação às perdas e começar a usar outros recursos de sobrevivência, até então ignorados, e assimilar novas formas de organização que permitem a satisfação das necessidades e a superação dos obstáculos que a cidade apresenta. Entretanto, o que as tornam visíveis é justamente a situação de carência e deficiência, que caracterizam um novo modo de se vincularem ao contexto urbano”.
Estas pessoas estabelecem como perene o que deveria ser apenas transitório. A vulnerabilidade encerra na desfiliação e inexistência sociais. De homo faber, que realiza a sua própria identidade no trabalho, se transformam em animal laborans, ou seja, ocupam-se em atender apenas ao equipamento biológico: comer, beber, dormir e secretar. As deficiências físicas e mentais impedem o desenvolvimento de suas competências internas que as fortaleceriam contra o descarte social sofrido, bem como a ociosidade, a baixa autoestima, e a falta de projeto pessoal de vida.
O verso de Álvaro Alves de Faria (1942-), jornalista, poeta e escritor paulistano, nos ajuda a compreender melhor a situação vivida por quem faz das ruas seu modo de viver: “O salto mortal é meu número especial nesta tarde de domingo. Não tentarei o trapézio, por não saber voar sobre as cabeças que torcem para a corda arrebentar. Pensando bem, abrirei a tarde falando ao respeitável público que farei a mágica final: desaparecer sem nunca ter sido visto por ninguém”.
Como estas pessoas podem sair desta condição, se são tratadas como cidadãos de segunda classe, às vezes até mesmo pelo poder público, que deveria prestar-lhes atendimento adequado, e pela comunidade em geral, que as gerou?

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