terça-feira, 26 de abril de 2011

Páscoa: história e simbolismo


As encenações da morte e ressurreição de Jesus Cristo se repetem em todo o País; algumas se tornam atrações turísticas, enquanto que outras não passam de manifestações catárticas, ao menos para as pessoas que atuam diretamente nos cenários montados para este fim, ou para os espectadores, nos templos ou ao ar-livre, promovidas pelas diversas confissões religiosas, católicas ou protestantes.
            Há aqueles que acreditam que tais encenações precisam acontecer para se comprovar a veracidade histórica, ou a realidade física dos fatos narrados nos livros sagrados. E há aqueles que as desprezam, simplesmente porque consideram fisicamente impossível os fatos terem acontecido.
Entretanto, ambos seriam imensamente beneficiados, se considerassem que o conceito de “físico” não é o único critério para se avaliar a autenticidade de uma verdade, pois há outras realidades que expressam uma modalidade do existir humano, sem a carapaça da cultura, da teologia, dos avanços tecnológicos e científicos.
Mas, porque se podem verificar os seus bons efeitos emocionais sobre nós, oferecendo-nos soluções para as nossas dificuldades diárias ou respondendo às necessidades, ainda que meramente intelectuais, asseguram uma maior integridade para a nossa existência, apesar de não terem mais a transcendência de outrora, que ainda permanece nos enunciados religiosos, mesmo não sendo mais reconhecidos; porém continuam vivos dentro de cada um de nós, e logo, são um meio de conhecimento.
Mircea Eliade (1907-1986), o mais importante e influente especialista em história e filosofia das religiões, nos ajuda a compreender esta situação ao afirmar: “Traduzir uma imagem na sua terminologia concreta, reduzindo-a a um único dos seus planos referenciais, é pior do que mutilá-la, é aniquilá-la, anulá-la como instrumento de conhecimento” (Imagens e símbolos. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 12).
Quando as imagens da Paixão e Ressurreição são encenadas e compreendidas somente em termos concretos, realmente tornam-se uma operação sem sentido, mas se nos deixarmos guiar pelo desejo de reintegrar os seus misteriosos significados, algo tão misterioso será experimentado, e é nisto que se verifica o seu valor religioso.
Acontece que muitos de nós perdemos a capacidade de viver conscientemente a religião, e outros tantos estão vivendo uma crise psíquica de grandes proporções, porque ficam somente na dimensão concreta dos fatos celebrados, e se fecham aos significados tão necessários à subjetividade humana, deixando-os vazios de sentido para a vida.
Pode ser que a nossa salvação esteja na “recordação da religião” que, ainda pequenina, resiste dentro de nós, conforme o mesmo Eliade afirma em seu “O sagrado e o profano” (São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 173).
Ao nos depararmos com quaisquer das histórias bíblicas, vejamo-las como manifestações da nossa própria alma, pois quando se transformam em imagens, como as encenações que assistimos nestes dias, podem ser percebidas interiormente como se falassem a nosso próprio respeito. “Estes testemunhos da alma quanto mais verdadeiros, tanto mais simples; quanto mais simples, tanto mais vulgares; quanto mais vulgares, tanto mais comuns; quanto mais comuns, mais naturais; quanto mais naturais, tanto mais divinos” Tertuliano (160-220 d.C), citado por C. G. Jung em seu “A resposta a Jó” (Petrópolis: Vozes, 1986. p. 03).

Um comentário:

  1. Gostei do post... Tenho estudado sobre os mitos como narrativas contextuais, o que tem me levado a assumir posturas mais flexíveis perante as imagens mitológicas.
    Seu texto foi muito rico para mim.

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